Primeiro trabalho.

Foi em 1965, naqueles anos a gente tinha que passar em um processo de seleção para ingressar no ginásio, que seria a sequência do primário, como, não tivemos recurso para fazer um pequeno curso de admissão, que seria logo após o término do primário, assim, adentrei os 11,12 e 13 anos, apenas ajudando minha mãe nas tarefas cotidianas da casa, além de estar encarregada a levar o lanche para meu irmão mais velho que já trabalhava, então, quando fiz 14 anos, minha mãe levou-me até a fábrica de soutiens e cintas, que ficava na Av. do Guapira, em Jaçanã, assim consegui meu primeiro trabalho, já com a carteira registrada, era aprendiz de espartilheira, mas, foi muito a contragosto que iniciei esta carreira, pois, não gostava nada de costuras, tinha até uma aversão à máquinas de costura, e quando me vi enfiada em uma delas, parecia que era um gigante a engolir-me, mas, não tinha jeito, o negócio era encarar esta parada, porém, não havia um dia sequer que não chorasse, isto é, na hora do almoço, comia e as lágrimas escorriam pela face, pois de fato não gostava do que fazia, era massante e sempre a mesma coisa, tinha hora que até a cabeça virava de tanto fazer a mesma peça, sem contar que o trabalho era por produção, pois, as outras dependiam da peça que eu fazia, para dar continuidade na parte delas, assim, não parava um segundo sequer, só entrei nessa, porque de fato lá em casa estavam precisando mesmo e assim, fiz mamãe prometer colocar-me, logo que pudesse, em um curso de datilografia, pois, eu preferia trabalhar em um escritório à lidar com máquinas de costura, hoje eu penso que minha birra com máquinas de costura, é devido ao fato de que mamãe, costurará a vida inteira, e quase não despendia de tempo para nós, assim a máquina passou a ser uma vilã, que roubava o tempo de mamãe, e ainda ela vivia aflita com as entregas e nem sequer percebia-nos por vezes, somente quando a arte era grande demais é que ela então notava nossa presença, e foram muitas, meu irmão do meio, pra contar sofreu várias escoriações vida a fora, primeiro caiu de um canão, isto é, aqueles tubos enormes que a prefeitura deixava junto aos córregos pra canalizar e que eles ficavam tempos expostos sem que ninguém trabalhasse neles, assim, ele pulava de um canão para o outro, um dia caiu e quebrou o braço, chegou em casa com o mesmo pendurado e mamãe socorria e depois punha de castigo, outra vez, ele foi pular a margem do córrego de um lado para o outro e caiu com o calcanhar bem em cima de uma garrafa com fundo espetado para cima, e chegou em casa com o calcanhar por um fio, e a vez que ao andar na bicicleta do vizinho, ele ao descer rasgou o saco de fora a fora no banco que estava solto, teve que levar uns belos pontos alí, e também não escapou do castigo, eu e o mais velho já fazíamos as artes em comum acordo, aí era só trapalhada, os dois pegavam castigo, e o castigo preferido da mamãe, era por de joelhos no milho ou nos grãos de feijão, quando a gente levantava, os grãos estavam todos grudados na pele, uma vez meu irmão mais velho, ficou na esquina esperando a volta do papai, nesta época ele estava bebendo novamente e quando ele avistou-o e viu que estava pra lá de marrakeschi, vinha, que vinha fazendo todas as curvas na calçada, saiu em disparada e pôs-se a espiar em cima da pia do lavatório, pois, havia uma pequena janela de vidraça, bem alí, eu querendo ver também, subi na pia e ela desabou com os dois dentro, minha mãe chegou correndo assustada pensando que havíamos nos cortado todo, assim quando viu que nada nos aconteceu, mas, a pobre da pia estava espatifada, voou pra cima da gente dando uns petelecos nos dois e colocando a gente no castigo, outra vez meu irmão pediu para que eu subisse em cima do tanque, que era muito alto, e aí perdi o equilíbrio e minha testa foi parar na torneira borboleta que rasgou e fêz um profundo corte que teve que levar uns belos pontos, nós éramos danados à beça, tudo isto sem contar quando a gente mexia nas coisas dela e nos mantimentos e ela ficava furiosa e o castigo vinha na certa, bem, fiz esse parentese aí, apenas pra explicar minha cisma com a máquina de costura, posto que ela capturava toda a atenção da minha mãe, criança é assim mesmo, meu filho mais velho, não gosta muito de computador, pois, quando eram pequenos tinha que trabalhar e os deixava em escolinhas e assim, só iam ver-me quando os pegava no fim do dia, quando não tinha jeito e acabava tendo que levá-los para meu serviço, colocava ele numa cadeira sentado em frente ao computador, e ele nem sequer se movia, ficava olhando sério e cruzava os bracinhos e não queria conversa, aonde colocava ele, ficava sem se mover, hoje, ele usa o computador em casa, mas, não quer saber de trabalhar em escritórios, ambientes fechados, ou sequer pensar em seguir carreira administrativa, isto tem haver sabe? As crianças necessitam de atenção e quando se percebem sozinhas, associam a profissão dos pais pelo abandono, infelizmente a gente precisa trabalhar e não há outro jeito de administrar essa situação, a não ser quando estivermos com eles, dedicar-lhes a maior atenção possível, mas, podem crer não é o suficiente, a associação é infalível e o tempo que não pudémos dispor fatalmente marcará ou povoará as cabecinhas pra sempre!... E, no meu caso foi a máquina de costura; assim, quando deu, mamãe colocou-me para aprender datilografia, saia da fábrica e ia direto pra escola de datilografia, ah! como era bom, que coisa magnífica, dediquei-me de corpo e alma a aprender e ser a melhor datilógrafa que pudesse ser, com o tempo aprendi a apostar corrida com os ponteiros do relógio, pegava um texto e marcava o tempo de datilografá-lo e aí, exigia cada vez mais de mim, cronometrava o tempo e ia melhorando dia-a-dia, tinha que ser a melhor datilógrafa e a mais rápida pois só assim me via livre da máquina de costura, eu queria era trabalhar em um escritório, que costura, que nada!... Assim, permaneci na fábrica somente por um ano, marquei até o tempo de sair de lá, pensei: - Quando entrar de férias, procuro outro serviço e só virei aqui pra pedir as contas?!... E foi o que fiz, com quinze anos arranjei serviço em uma alfaiataria de uniformes policiais, ficava na Estação da Luz, trabalhei lá para o Sr. Mazzelli, era datilógrafa de duplicatas e borderô, auxiliava a secretaria que trabalhava com o Sr. Mazzelli, assim, aprendi coisas diferentes e adorava o meu trabalho, pois datilografar já era minha praia, as vezes penso que queria ser pianista, assim como não fui, tornei-me uma excelente datilógrafa de máquina, primeiro manual, depois as elétricas e depois os computadores, acabei achando minha praia, antigamente até parecia ouvir acordes de piano enquanto digitava, dedilhava os teclados como se navegasse nas partituras de Tchaiskowisk, Mozart, Beethoven, sei lá é mesmo meio maluca esta minha comparação, mas, livrei-me pra sempre da famigerada máquina de costura, o meu serviço não era mais de produção, porque tudo mudava a todo instante e na minha escala eu tinha subido um pontinho a mais, pois já trabalhava em um escritório, como havia desejado, mas, tenho que dizer que o tempo que trabalhei na fábrica, apesar de não gostar, fiz o melhor que pude, e serviu também como experiência de vida, fiz algumas amizades lá, que jamais esquecerei e, também, teve um episódio triste, que foi uma colega nossa, ter sido baleada, enquanto subia a rua rumo ao trabalho, foi numa manhã de inverno, pois tinha neblina, e alguém disparou uma arma de fogo, que atingiu-a na espinha, ela ficou paraplégica, foi realmente uma fatalidade, que poderia ter acontecido com qualquer uma de nós, posto que fazíamos o mesmo trajeto todos os dias e isto aconteceu no ano de 1965, a melhor amiga que tive lá, chamava-se Jurema, não esqueço dela, era uma costureira de mão cheia, tinha muita habilidade com a máquina e no princípio ajudou-me bastante a pegar o ritmo da produção, mas, valeu enquanto durou!...