A MULHER DA CADEIRA AO LADO

A MULHER DA CADEIRA AO LADO

Não sei por que escolheram um dia de verão para se casarem. Não suporto esse calor! Esse teto de lona branca não serve para nada. Casamento no campo! Só porque a mãe da noiva achava que seria elegante! Eu não gosto de calor e não gosto de estar sentada nessa mesa no meio da grama. Esse leque que me emprestaram é feio, sem graça! Que alguém me traga meu leque espanhol! E que alguém me sirva um refresco sem açúcar, água mineral, ou qualquer coisa que tenha nesse casamento porque minha diabete está nas nuvens. Carne, churrasco! Só podia ser idéia do pai dessa noiva de matar um boi e um porco para este casamento. Quem pode comer churrasco? Eles poderão, mas eu não! Com essa dentadura não posso. Eu gosto de sopa de galinha. Galinha! Não como essas noras que eu tenho que além de terem roubado meus outros filhos não são capazes de matar uma galinha. Vão e compram frango no armazém. Onde já se viu? Comprar frango com tanta galinha no meu galinheiro? Casamento! Para que convidaram tanta gente? Com os noivos e os padrinhos era mais que suficiente. Essa daí, de vestido de noiva, é outra que não sabe nem cozinhar uma galinha. O noivo é meu caçula. Estávamos bem, nós dois, sozinhos...

(Sua família não lhe dava opção para escolher um pretendente. Eram pais espanhóis, tradicionais, com boa situação econômica. Desejam ver essa filha casada com algum filho de fazendeiro da região. Mas essa menina foi se enrabichar por um homem pobre. Inadmissível! Um obreiro de construção jamais poderia ser aceito naquela família. Mas se viram obrigados a conceder o matrimonio. Vestida de branco, aos dezoito anos, somente com quatro testemunhas, estava assinando seu contrato de casamento. Jamais poderiam aceitar que uma filha tivesse sido desonrada, e a única solução, foi formalizar a relação. Mas na verdade, na noite de núpcias, a menina foi tão pura quanto à cor daquele vestido. Mentiram por amor.

Aquela mocinha que levava uma vida tranqüila e acomodada transformou-se em uma verdadeira mulher para assumir uma família. Nunca recebeu ajuda dos pais porque eles nunca estiveram a favor desse casamento. Sua escolha custou-lhe a herança familiar. Mas era muito feliz ao lado daquele homem, pobre, mas honrado. Com seu trabalho de obreiro, aquele marido mantinha-os a todos dentro de suas possibilidades. Não era fácil sustentar a cinco filhos mas sempre foi um homem trabalhador, nunca teve medo da enxada, nem do picote, nem do serrote).

Eu nem sei por que me colocaram sentada nessa mesa principal. Todo mundo fica me olhando só porque sou a mãe do noivo. Grande coisa! Hoje eu estou perdendo meu filho e acham que eu tenho que comemorar. Comemorar o que? A vida me levou tudo: meus pais, meu marido e agora estou perdendo cada um de meus filhos também. E para isso me trazem aqui? Comemorar que meu filho está partindo pra outra cidade e eu vou ficar sozinha de uma vez por todas?Eu não agüento mais tanta barulheira. Não sei por que casamento tem que ter música tão forte. E ninguém toca o que eu gosto. Gardel. Porque ninguém trouxe os discos do Carlos Gardel? Esses jovens me dizem que não existe aparelho que toca discos. Eu tenho um aparelho onde eu coloco meus discos do Gardel e escuto muito bem! Aqui não tocam tango porque essa gente nem saberia dançar. Aposto que esse pai da noiva nem conhece tango. Se tocasse tango eu me levantaria dessa mesa e lhes ensinaria a todos o que é música, o que é dança de verdade. Mas nesse casamento não há uma pessoa sequer que saiba o que é um tango, nem conhecem a Gardel.

(Todas as noites, depois do jantar, lá estava aquele casal escutando os lindos tangos de Carlos Gardel. Eram capazes de ficar a noite inteira com o rosto colado, braços estirados, pernas entrelaçadas, enquanto as crianças corriam em volta dos pais. Ela adorava quando esse marido lhe cantava ao ouvido: “El día que me quieras, la rosa que engalana, se vestirá de fiesta, con su mejor color, y al viento las campanas, dirán que ya eres mía, y locas las fontanas, se contarán su amor…”

Numa tarde de verão, foi um ato reflexo que mãe e filho segurassem as mãos bem apertadas um do outro. A mãe quis proteger o filho, o filho quis proteger a mãe, porque o médico do Hospital não teve nenhuma delicadeza em dizer-lhes:

- Sinto muito, mas, seu esposo não sobreviveu ao acidente. Por favor, passe à sala de administração para assinar os papeis para a retirada do corpo.

Aos trinta e oito anos e com cinco filhos para criar e alimentar foi preciso deixá-los que amadurecem a força. Quando solteira, foi acostumada a que uma empregada lhe servisse o chá com xícaras de porcelana européia trazida em bandeja de prata, mas agora, era ela quem tinha que aprender a servir a seus patrões. Os filhos mais velhos cuidavam dos menores e o caçula, ainda bebezinho, foi o único que nada entendeu. Apegou-se a blusa de lã do pai, e com ela, passou a dormir todas as noites).

Chega o momento de cortar o bolo, abrir o champagne e um breve discurso. O noivo levanta-se da mesa e diz:

- Obrigado a todos pela presença: queridos tios, padrinhos, amigos, irmãos, cunhados, cunhadas, sobrinhos...Hoje é um dia muito especial para mim porque finalmente me unirei a uma grande mulher. Mas eu gostaria de dar um brinde muito especial a essa senhora, que esta sentada aqui, ao meu lado, minha sempre amada mãe! (a abraçou fortemente, ainda que ela tentasse esquivar-se). Essa mulher nos deu a vida, a mim e aos meus irmãos, e somos agradecidos por tudo o que ela nos brindou em carinho, dedicação, preocupação e por que não, umas boas sovas também! E queria dizer-lhes a todos, que nós, com minha esposa, nos mudaremos de cidade, mas sinto muito aos meus irmãos que ficam, porque, eu levarei minha mãe comigo! Um brinde para minha nova vida ao lado de minha esposa e minha mãe!

- Saúde! – repetiram todos os presentes levantando suas taças de champgane.

Vou ter que ensinar minha nora a cozinhar sopa de galinha. É uma moça bem bonita, inteligente, filha de gente bem decente. Um dia ela me presenteou umas flores e eu as plantei lá no meu quintal. Tenho sorte com minhas noras, são boas mães para meus netos, cuidam direitinho da criançada. Espero que meu caçula tenha filho logo para eu ajudar a minha nora a cuidar do neném. Essa carne está bem gostosa, souberam matar o animal e ficou boa de sabor. A água está geladinha, do jeito que eu gosto. Já não faz tanto calor, essa brisa está bastante agradável. Está todo mundo olhando pra mim! Mas é lógico que vão olhar para mim, eu sou a mãe do noivo! Mãe de noivo também é importante nas festas! Vou ficar com saudade dos meus netos já que vou morar com meu caçula em outra cidade. Que cantor é esse que está tocando? Está bonita essa música. Não é nem tango nem Carlos Gardel, mas...

Nota: Carlos Gardel (1890-1935). Para os leitores que desejem conhecer sua biografia, sugiro que busquem pelo Google argentina WWW.google.com.ar.

Texto dedicado a Sra. Nelly e Francisco (in memorian) por sua paixão pelo tango e por Gardel.

Millarray
Enviado por Millarray em 10/03/2011
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