Plástica pra que.

Solange caminhava distraída pela estação do metrô da Cinelândia. Na mente muitas lembranças dos tempos em que freqüentava assiduamente o Teatro Municipal do Rio. Espetáculos de ballet, peças de teatro, óperas, assistidos sempre na companhia das amigas do curso de teatro.

Muitas pessoas cruzando por ela, enquanto caminhava lentamente, cabisbaixa e melancólica, quase triste por ter se afastado de pessoas tão interessantes e criativas.

Em meio à multidão que passava um rosto lhe chamou a atenção. Era uma moça com seus vinte e cinco anos, magra, não muito alta, com cabelos negros lisos caindo pelas costas, até a cintura.

Solange sentou-se em um banco, o único que tinha um lugar vago, para analisar aquele rosto.

Perguntou-se porque aquela fisionomia chamara sua atenção. A jovem tinha traços finos e uma pele de seda que lembravam uma de suas colegas do curso, a Verônica, só que muito mais magra.

Verônica era a mais falante e bem humorada de todos, ela tinha olhos espertos e um sorriso franco que contagiavam a todos, mas aquela moça, apesar da semelhança física tinha algo diferente, um olhar triste, amargurado.

Perdeu mais algum tempo analisando a moça que caminhava de vagar para a saída. Ela realmente lembrava muito a Verônica.

Solange imaginou se seria sua filha, mas as idades não batiam. Verônica devia estar hoje com seus trinta e oito anos, não poderia ter uma filha com mais de vinte.

Talvez fosse uma irmã, mas pelo que Solange lembrava Verônica tinha apenas uma irmão mais velho.

Primas geralmente não são tão parecidas.

Solange sentia os miolos fritando.

E se a Verônica fez algum regime e emagreceu bastante? Não, nesse caso ela estaria ainda mais feliz do que era antes e também a fisionomia daquela moça tinha aparência mais jovem.

Antes de deixar o local, como que sentindo que alguém a olhava, a jovem encarou Solange e abriu um sorriso igual ao da Verônica, apesar de um pouco macambúzio.

Em três ou quatro passos largos aproximou-se de Solange e a abraçou afetuosamente.

- Não acredito que está aqui. – Disse agarrada ao pescoço de Solange que mal teve tempo de se levantar.

- Verônica? – Solange perguntou certa de que estava equivocada.

- Claro, quem você achou que seria?

Solange não quis relatar todas as hipóteses nas quais tinha pensado, não queria chatear a amiga, falou apenas no quanto ela estava diferente, bem mais magra e jovem.

Verônica que jamais perderia a chance de se gabar de um comentário como aquele, limitou-se apenas a dizer. – Pois é, é a vida.

- Como assim é a vida, você deveria estar exultante com a nova aparência.

Solange realmente esperava que a amiga fosse a qualquer minuto tirar aquela máscara entristecida e se atirar às tagarelices animadas de antes, mas os fatos se desenrolaram de uma forma muito distante de suas lembranças.

Lágrimas escaparam dos olhos de Verônica, não lágrimas de emoção as únicas que Solange já tinha visto, eram lágrimas de decepção.

Em meio àquele turbilhão de incertezas e novidades, Verônica chocou ainda mais a amiga relatando que sua vida havia desabado, que ela era muito mais feliz com muitos quilos a mais.

- Como? Por quê?

- Estava muito feliz no meu casamento com o Lucinho, nosso colega e meu namorado da época do curso. Já estávamos juntos há dez anos quando tive a infeliz idéia de fazer uma cirurgia de redução de estômago e depois várias plásticas para agradá-lo.

- Idéia infeliz por que se você está ótima? O Lucinho deve ter amado sua transformação.

- Antes fosse, a harmonia no nosso casamento desapareceu junto com os quilos que fui perdendo. Quanto mais eu emagrecia, mais nós brigávamos. Sempre imaginei que nossa felicidade só pudesse aumentar depois de tantos tratamentos e regimes, mas o que ocorreu foi o oposto. No lugar do casamento feliz que tínhamos, apareceu uma relação de desprezo e abandono, além das discussões constantes.

- Não entendo. Tudo o que você sempre quis era ter um corpo esbelto, você deveria estar feliz. – Afirmou Solange.

- Eu só não sabia que não era isso que o Lucinho queria.

Elayne Sampaio
Enviado por Elayne Sampaio em 12/04/2011
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