Esperando a felicidade chegar
 
Por Nelia Lins
 
Quando o sol expandir os seus raios sobre a terra e um imenso raio de luz pressionar atrevida as portas do meu barraco, a minha mão sofrida abrirá a porta par em par.
Não quero o mau jeito, a falta de tato, a precipitação.Quando os meus dedos tocarem no velho trinco, quero sentir o meu corpo inteiro antecipando a sensação da felicidade que virá.
Clodoaldo, meu marido é lerdo como uma tartaruga e inútil como um móvel abandonado.Clodô como é conhecido na vizinhança passa dias e noites, dormindo sereno no interior do barraco.
Maria Quitéria, a nossa filhinha de cinco anos, às vezes, olha da rede onde jaz o pai, para o fogão onde preparo o nosso almoço e pergunta entre curiosa e triste:
-         Mamãe, papai está doente? Respondo desanimada:
- Não filhinha.Ele está só descansando.
-         .Descansando, mamãe?
A voz da minha filhinha - Brisa soprando no meu coração que vigilante espera a felicidade chegar.
– Sim filhinha, descansando.
- Agora, vá brincar.Ande!
Sem nada entender, porém resignada lá vai ela, levando apertada ao coração, Bebeli a sua bonequinha de pano.
Clodô, afogado em profunda letargia, vencido pela fantástica força das suas idéias, transformara a sua mente num foco de problemas insolúveis que o reduziram a um amontoado de ossos magros e músculos atrofiados, jogados numa rede igualmente insignificante.
Às vezes a ingenuidade representa um estado de alma profundamente benéfico, por isso, a minha criança, protegida pela fantasia desconhece a degradação do seu herói.
Mas estou certa de que um dia a felicidade forçará as portas do meu barraco.Será, então, a minha vez de fazer-lhe as honras da casa.Não farei como o meu assustado marido que arrastado pela avalanche dos próprios sonhos, perdeu a cabeça, precipitou-se, foi á nocaute.Finda a batalha, trouxe para casa como saldo da peleja, um saco de ilusões, idéias absurdas e projetos impossíveis.
Outro dia eu estava passando roupa, quando ouvi a voz de Juvina, na porta!
-         Boa tarde, Diana, como vai o Clodô!Aborrecida, olhei-a dos pés a cabeça.Meus olhos descansaram por instantes no alvíssimo branco do seu vestido rendado.Corri de relance o esmero da sua maquiagem bem feita e surpreendi-me com o tom amargo da minha própria voz
-         – Aqui vamos todos muito mal.
-         Mal? (Juvina expandiu o verde dos seus olhos sobre o cômodo humilde) – Por que? Está lhe faltando alguma coisa?
Entre histérica e desesperada, desatei a rir. Faltando?Ah...Ah...Ora!
-Diana controle-se, por favor!
- Juvina falava e eu ria num desabafo descontrolado.Como se alguém tivesse aberto de repente as comportas da minha alma.
Juvina preocupava-se. – Diana, por favor, pare de rir!
Súbito, indignada estanquei o riso:
- O que você quer aqui?
-Vim vê-la, mas estou arrependida, vou-me embora.
-Pode ir e diga a todos que Clodô, Maria Quitéria e eu...(dois braços de ferro pareciam apertar a minha garganta, um soluço afogou as minhas palavras. (Juvina fez-me sentar afagando os meus cabelos)).
-Tenha calma, escute, eu sei como é a sua vida.Não vim até aqui lhe mostrar como estou bem.Vim para ajudá-la.Uma moça que trabalha comigo na loja.Pediu demissão ontem e a dona Salete está precisando com urgência de outra pessoa.Vim chamar você para trabalhar comigo! – Eu?
-Sim, não precisa ter prática, pois o serviço é muito fácil, É só aprender o preço das mercadorias, - basta ler as etiquetas e atender bem a freguesia.
-         Mas, e a minha filha?
-Você pode deixá-la numa creche.Muitas mulheres que trabalham fazem isto.
-         Trabalhar! Parecia uma saída extraordinária para aquela situação de pobreza.Seria difícil no começo, principalmente para a pequenina Quitéria, mas ela acabaria por acostumar-se Eu poderia comprar-lhe aquela boneca linda que chora, dorme e ri. Clodoaldo permaneceria em seu berço esplendido e eu trabalharia.Sustentaria a mim e a minha filhinha e esta situação boa acabaria por envolver o próprio Clodoaldo.
-         Confortada pelas palavras amorosas de Juvina.Parei de chorar.O ferro de passar fumegava sobre o suporte improvisado de um tijolo.
-Então, Diana – qual a sua decisão? Pense bem!É a sua grande chance.Os olhos verdes de Juvina aprofundavam-se em mim, buscando afirmação.
-         -Então, o que devo dizer a dona Salete?
-         - Diga a ela que aceito o trabalho e Juvina, desculpe meu descontrole e obrigada.Você não se esqueceu de mim.
-         Quando a figura bonita de Juvina deixou o barraco, desliguei o ferro, sentindo no íntimo a felicidade pressionando as portas do meu barrraco.
-         Perccebi claramenteque chegara a minha vez de abrir-lhe as portas, devagar, muito devagarinho para não assustar Dona Felicidade que vinha chegando mansa, com passinhos leves sobre o chão batido do barraco.
-         Quero viver a cada segundo que passa a expectativa da FELICIDADE APROXIMANDO-SE.Por isso, quando as minhas mãos sofridas tocarem o trinco velho da porta do barraco, longe de mim o mau jeito a falta de tato.E a precipitação.