"E eu que pensei que pra nada servia"

Uma moça simples. Nunca entendeu bem o que fazia neste mundo. Sentia-se às margens, alheia a muita coisa que pra os outros era essência. Tinha na alma um anseio por sabe-se lá o quê. Um anseio que ela até tentava ignorar. Mas às vezes, o sentimento sufocado tomava dimensões maiores do que conseguia conter, sufocava tanto que ela chorava uma dor que não sabia de onde vinha. Se fosse dor física era fácil, tem remédio pra tudo nesse mundo. Se fosse trauma de infância, terapeuta resolvia. Mas não, era na alma e já tava lá quando nasceu, e ela tinha consigo que alma é coisa que ninguém entende mesmo. Se cisma de ser diferente, não há o que fazer.

Desde sempre observou mais que participou. E assim, por vezes foi implicada e discriminada pelos outros. Ninguém entendia porque a menina preferia os cantos aos meios. Mal sabiam que essa dúvida ela também tinha. A única coisa que lhe tomava a atenção eram os livros. A esses sim ela demonstrava apreço e prazer na companhia.

Não se encaixava em nada. Até mesmo a família que tanta a amava lhe parecia estranha. Não fosse por ser a cara dos pais, juraria que era adotada. Mas não, essa estranheza era só mais uma das facetas de sua alma diferente.

Virou mulher, teve amores e desamores. E a alma permanecia a de sempre. Bem nessa fase desacreditou nesse negócio de que o amor tudo transforma.

Quanto mais a idade chegava, mas ela sentia-se inquieta. Já ia fazer 21. Duas décadas de vida já deviam ter lhe trazido algum sentido. Mas nada.

Leu em algum lugar que escrever diários ajudava a se conhecer. Ah, de pronto providenciou um e a alma pra fora pôs. Desde os mais escondidos anseios, tudo trouxe à tona. Sem medo de ser recriminada, tomada por louca, ou coisa assim, falou abertamente àquelas folhas que a tudo pareciam compreender. Não demorou muito pra tomar gosto pela coisa. Sentia-se mil vezes melhor falando com seu diário que falando com as pessoas. Não que as pessoas fossem ruins. Mas a companhia das palavras era bem melhor.

E foi assim que ela descobriu o que a fazia sentir-se útil. Não sabe ainda se as palavras se encaixaram nela, ou ela se encaixou nas palavras, só sabe que se deram bem. Ah, e mudou um velho conceito. O tal do amor transforma sim, tome nota. É questão de achar a coisa certa pra amar. E ela descobriu um intenso amor pelas palavras. Virou escritora. Aos quatro ventos suas palavras foram levadas. E aonde chegavam transformavam. Tinha a moça o dom de expor o que ninguém mais conseguia. Falava numa simplicidade tão cativante e num tom tão convicto que a todos convencia. O que ela dizia? Dizia de como sua alma se alegrava quando escrevia, e isso parece que incentivava as pessoas a não desistirem de encontrar seu dom nessa vida. Algo que fizessem por amor. Há por ai muitos que, pelas palavras dela, acharam sentido de viver. E até amores das mais variadas formas surgiram. Quando dizem isso a ela, consigo mesmo pensa “e eu que achei que pra nada servia”.

Jordana Sousa
Enviado por Jordana Sousa em 19/05/2011
Reeditado em 19/05/2011
Código do texto: T2981139