QUANDO AS FORMIGAS FALAM

Tenho em mim a natureza das simplicidades e a língua das coisas comuns. Não sei muito bem definir o sabor do asfalto ou o duro gosto pelo cimento seguido de concreto, mas sei distinguir e entender a linguagem das pedras e das flores. Tenho sempre um diálogo com formigas, saracuras e borboletas. Seres esses que dizem muito em seus infindáveis meios de comunicação. Por exemplo: antes mesmo de se noticiar o inverno frio desse ano de 2011, as formigas em suas carreiras e árduo trabalho me disseram que faria um frio recorde que seria registrado em escalas negativas em todo o Brasil e principalmente aqui, onde vivo. No final de março, todas elas, ainda sob o som das cigarras, estavam trabalhando noite e dia. Geralmente as formigas trabalham a noite, para evitar qualquer contato com sabiás e bem-te-vis, mas dessa vez elas estavam fazendo hora extra. Cortavam insanamente todas as folhas, flores e brotos da roseira, e até das daninhas e das onze-horas*. Até aí tudo bem, elas me diziam com aquele ininterrupto trabalho que o frio das geadas espessas estava por vir. Mas o que mais me surpreendeu foi quando, nas últimas águas de Março, quando todos os seres menores se escondem para fugir da chuva, elas, as formigas estavam dedicadíssimas no ofício de derrubar o verde das plantas e a custo de muitas vidas das cortadeiras que eram levadas pela enxurrada. Gritavam em um silêncio de criaturas simples o que estava por vir. Pronto! Confirmaram tudo para mim naquele dia: que o inverno mais rigoroso que eu já havia presenciado nos abateria.

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* Tipo de flor rasteira de várias tonalidades que floresce com o Sol forte (entre onze horas e meio dia)

Victor Said
Enviado por Victor Said em 03/07/2011
Código do texto: T3073109