A NOBREZA E SABEDORIA DO SER

Por vezes encontramo-nos perdido em devaneios pelos quais se pode explicitar todo o nosso sentimento de incompatibilidade para com os rumos que a vida nos leva.

Em lembranças recentes remetemo-nos a épocas de solidão e miséria. Não a miséria associada à falta de bens materiais, mas à carência de atenção humana, que nos tempos contemporâneos mostra-se pífia, muito pelo fato de galgarmos ascensões pessoais e profissionais exaustivamente, deixando de lado o que realmente é primordial para a felicidade na vida: a distinta atenção do próximo. Posso ainda visualizar que os sentimentos supra mantêm-se a cada dia que passa atrelados ao nosso cotidiano mesmo que consigamos atingir os tais objetivos.

Isso mostra que, por mais importante que possa ser o sucesso profissional, quando atingido sem a preocupação de atentar-se a pequenos fatos rotineiros de cordialidade mínina, que podem ser exemplificados em gestos singelos de gratidão, por favores que nem ao menos nos demos conta de termos sido agraciados, na ganância em alcançar o mais rapidamente possível os níveis mais altos, atropelam-se importantes atitudes e gestos de amor ao próximo.

Aquilo que se mostra mais trágico em se resumindo estes tipos de situações é o fato de a oportunidade de retribuir mostra-se presente tão somente naquele instante. E é exatamente nessa hora que esquecemos de expor a nobreza intrínseca dentro de nós mesmos, porém que se apresenta renegada junto às nossas atitudes por não julgarmos necessária nessa jornada ambiciosa. Acabamos nos perdendo e talvez nunca saibamos, se não adquirirmos discernimento, o quão bela é a caminhada se agirmos de maneira menos fugaz e impertinente no que se refere à benevolência até recíproca.

Miremo-nos no exemplo do nosso então saudoso amigo alcunhado por Comendador Demóstenes Piragibe Torres Neto, falecido de causas até hoje inexplicáveis.

Em meados da década de 30, ainda iniciando sua longa e próspera trajetória de sucessos, foi posto à prova num momento de importância ímpar em sua nobre vida. Quando chegara em seu domicílio, vindo de sua labuta exaustiva, ansiava ser recebido por sua, à época, jovem cônjuge, Ernestina Onofre Fritz Piragibe. Quando fora surpreendido pela figura de um moçoilo de aparência jovial, conhecido pelos assentados locais por Quinhão, famoso, inclusive, por destruir lares, investindo beijos molhados em sua esposa que apresentava-se desfavorecida de vestes. A primeira reação do destemido Comendador Demóstenes foi eliminar de sua até então acalentadora residência, aos socos e pontapés, num acesso de fúria incontrolável nunca antes vivenciada, o facínora ainda desnudo.

Após o ato, recompôs-se, acendeu um cigarro e sentou-se confortavelmente em sua velha poltrona herdada de seu tio-avô Graciliano Firmino Piragibe Torres, também Comendador. Pitava a tragos profundos como se este fosse o último cigarro produzido na face da terra.

Levantou-se então e foi de encontro à adúltera, que encontrava-se em estado nauseabundo devido ao choro que podia ser ouvido até a porção mais setentrional do bairro em que estava lotada a residência de ambos. Por mais primitivo que fosse o sentimento dele de explodir sua ira diante da fragilizada traidora, ele apenas sentou-se à beira da cama onde ela se mantinha prostrada em posição fetal, e ficou mirando-a por longos minutos.

Quando finalmente estancaram-se os prantos, o Comendador conseguiu projetar sua fala que nesse momento soava límpida e retumbante, inquirindo a jovem a explicar a causa, ou o motivo, talvez a razão, quiçá a circunstância que a levou a cometer tão repugnante ato.

Por mais que os motivos apresentados por Ernestina não pudessem convencer nem ao menos um cego, Demóstenes buscou, no âmago do seu ser, toda a cordialidade que lhe fora ensinada por sua mãe, senhora Germina Calábria Piragibe. O Comendador usou de toda sua indulgência para com a infeliz pessoa e a absolveu, cometendo então um dos mais sublimes atos que o ser humano pode se utilizar na vida.

Ainda que perdoando-a, obviamente, por questões lógicas, o casal desfez o seu enlace matrimonial e até o final de suas longas vidas, não mais se encontraram, tão pouco se falaram.

Devemos hoje tomar como exemplo de atitude altruísta, aquela tomada sabiamente pelo saudoso Comendador. Devemos ainda ensinar nossos descendentes que às vezes é mais importante agir contra nossos instintos primitivos e utilizar-se da sabedoria para atuar corretamente nos momentos mais inusitados que possam vir a serem encontrados nos percalços dessa nossa empreitada conhecida como VIDA.

TrovadoresSaudosistas
Enviado por TrovadoresSaudosistas em 12/07/2011
Reeditado em 15/07/2011
Código do texto: T3089957
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