PROFECIAS DO ESCARNECEDOR

Na razão de nossa sabedoria, tentamos entender as rotinas que nos são impostas pela vida. Tentamos exercitar nossa mente de maneira a conseguir explicar desde a base até a atualidade de nosso cotidiano.

Por vezes, os dias se parecem iguais, os momentos os mesmos, parece não haver criação de novidades e caminhos diferentes.

Isso se deve ao fato de não nos renovarmos nas idéias, de não buscarmos o novo, o inusitado, o inesperado. Pare e pense: que graça tem a vida se ela não for usufruída a cada dia de uma maneira diferente? Carpe diem! Torne seus dias aproveitáveis. Realize-os mais intensos, incríveis. Viva-os como se fossem realmente o último.

Um singelo instante pode ser transformado num momento diferente. Quando tivermos a percepção de que, com pequenas atitudes, tornaremos nossa vida feliz e, até me atrevo a dizer, indescritível, teremos dias mais tranqüilos e amenos.

Tomo por base os ensinamentos daquele, que fora chamado posteriormente de “o profeta”, ser vivente do pequeno vilarejo lotado no Vale das Virtudes, pertencente ao município de Açoroiaba do Norte, região localizada na porção setentrional do estado de Tocantins, o simplório alfaiate alcunhado por Firmino Eusébio Matagais Nobre. Levava ele uma vida de desfrutes, entregando-se de corpo e alma aos prazeres mundanos. Era constante escarnecedor de tudo que via e ouvia. Por mais belo que fosse o arrulhar dos pombos nas quentes manhãs, onde cintilava o sol na praça do coreto do pequeno vilarejo, por mais que fossem belas as crisálidas ao vento, Matagais pouco importava-se com toda essa beleza que lhe era eminente, e dedicava-se exclusivamente a mal dizer, bradando a quem se fizesse ouvir, o quão inútil lhe pareciam aqueles seres indesejáveis.

Matagais era conhecido nas cercanias por ser o maior ébrio de todos os vilarejos, por vezes fora encontrado às primeiras com a face colada nas sarjetas das ruas que circundavam o bar de Seu Jatobá. Trabalhava com a cara fechada, humor péssimo e, tal qual uma trova de escárnio, ao abrir sua boca para balbuciar o que fosse, falava em tom ríspido e de uma grosseria ímpar.

Já se apresentava na altura de seus sessenta e poucos anos. Passou por uma vida amarga, sem trazer consigo a alegria de viver, sem ter se quer um familiar com que pudesse dividir bons momentos. Era solteiro e solitário e ao caminhar pelas ruas do Vale das Virtudes, era sempre motivo de chacota devido à sua cútis mal feita e mal tratada, e seu lendo caminhar em razão de seus pés inchados devido aos excessos alcoólicos.

Num belo dia, e enfatizo que o dia estava realmente belo, Matagais fora surpreendido por uma bela jovem, que levava o nome de Gioconda Silveira Cabral Cintra, em seu ambiente de trabalho, num momento que para ele é comum, de puro estresse e rispidez. A jovem Gioconda lhe pediu para consertar algumas vestes de sua mãe, e ele lhe respondeu com tonalidade vocálica transtornada e ignorante. A jovem lhe perguntou qual seria a razão para tamanha grosseria, fazendo isso num tom calmo e sereno, e ele lhe respondeu que a vida era assim mesmo: uma porcaria armada.

Ela lhe pediu a palavra e, mesmo Matagais não lhe concedendo este direito, ela tomou-a para si de qualquer maneira. Gioconda explicou-lhe as maravilhas da vida, a beleza dos seres, a festividade do amanhecer e do entardecer, disse-lhe sobre os aromas da terra, sobre os sons dos animais, a beleza das plantas, a alegria de viver.

Matagais mostrou-se indiferente e manteve o semblante irredutível, embora sua mente, de alguma maneira sobrenatural, embarcara nas adocicadas palavras ditas pela jovem, levando-lhe a lugares por ele nunca antes imaginados.

Aquela jovem tinha consigo o dom de encantar as pessoas com sua beleza, com suas palavras, com seus trejeitos e atitudes. Era um dom natural, nunca antes observado em nenhum dos assentados que residiam naquele pequeno vilarejo.

O sempre rabugento homem havia sido tomado por um toque de limpidez na alma, que o havia tocado tão profundamente de maneira que o próprio observou-se perdido em seus pensamentos. Desabou em prantos. Levantou-se de sua cadeira, abraçou intensamente a nobre garota, contou-a todo o seu sofrimento de vida pelas duas horas que se passaram, justificou com isso todo o seu jeito falido de viver, indagou qual atitude deveria tomar para modificar todo o seu presente.

Ela lhe mostrou um mundo que ele nunca havia pensado em tocar, em viver. Mostrou-lhe um mundo que poderia ser diferenciado.

Começando num pequeno esboço de sorriso, Matagais tornou-se o ser vivente mais feliz de toda a região. Ele havia aprendido a localizar a beleza nos fatos da vida. E sua existência fora mudada de tão intensa forma, que ele começou a profetizar um mundo melhor para todas as pessoas que conhecia, inclusive as que não conhecia. Profetizou a paz, a serenidade, a mansidão, a sobriedade, o amor, o sol, a vida!

Recebera à época o título supracitado de “o profeta” devido às suas atitudes que tornaram-se nobres, era comum agora sentir o amor que emanava daquele homem. Como se todos aqueles que chegassem próximos ao hoje bom samaritano que se tornou, fossem submersos por um turbilhão de paz, tranqüilidade e torpor.

Desde seu renascimento para o mundo, “o profeta” se tornou sinônimo de bem-aventurança por todos os cantos em que fora ouvido seu nome.

TrovadoresSaudosistas
Enviado por TrovadoresSaudosistas em 12/07/2011
Reeditado em 15/07/2011
Código do texto: T3090270
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