O tempo no templo



     Enquanto aguardava o atendimento periódico no consultório entabulou uma conversa com uma já conhecida sua daquelas esperas. Depois dos cumprimentos de praxe e o interesse mútuo pela saúde delas mesmas e da família de ambas, tagarelaram amenidades. Os assuntos variaram até chegar na religião.
     Uma delas comentou da felicidade de frequentar um templo novo e de que as tardes de oração eram a alegria de seus dias.  - “Sou outra pessoa”! Afirmou e a outra ficou ouvindo a descrição das maravilhas do templo e da pregação do pastor Fulano, que mobilizava as tardes e emocionava as pessoas que iam participar dos seus cultos. Cedendo a insistência da amiga, anotou o endereço. Quem sabe qualquer dia desses apareceria por lá.
     Quando entre as filhas confessou a intenção de conhecer o tal templo, duas delas se prontificaram a lhe fazer companhia. Sabiam o quanto a mãe era suscetível as demonstrações “emotivas” de fé e se preocupavam em deixá-la sozinha diante do tal pastor, de quem já se ouviu falar do seu poder de convencimento quanto às “doações” que o templo recebia.
     Na tarde combinada lá foram as três, muito distintas e elegantes visitar o tão falado lugar das bem aventuranças...
     No templo suntuoso e bem localizado em área nobre da cidade, foram recebidas por duas mocinhas vestidas em longas túnicas brancas, que as conduziram a seu interior e as acomodaram “num lugar especial”, segundo elas.
     Não havia como negar que a  aparência tinha peso, naquele lugar.Perceberam que as pessoas humildes que ali chegavam não eram tratadas com a mesma deferência.
     No início da pregação, a fala esbravejante do pastor convocando as “hordas”(sic) celestiais para espantar “satanás” e seus “asseclas” intimidou-as um pouco, mas também provocou risos devidamente disfarçados. Aos poucos, foram relaxando... O “culto” mais parecia um espetáculo de teatro, com tantos atos e rituais. Eram convidadas para tudo, porém se mantinham respeitosamente afastadas
      Até que foram insistentemente convidadas a “passar” pela “labareda santa da prosperidade”... A mãe quis ir e as filhas concordaram que fosse... As duas permaneceram sentadas, curiosamente atentas ao ritual proposto.    
     Mas, aquela atitude de distanciamento fez com os olhares dos demais fiéis e participantes se voltassem para elas, como se fossem enviadas de Satã...
     Daí em diante parecia que toda a pregação era dirigida a elas...
     - Meus irmãos e minhas irmãs há forças do mal entre nós impedindo algumas pessoas de se entregarem a Jesusssssss!
     - Não se assustem, venham, Deus está aqui para recebê-las, transformá-las! Venham! Venhammmm!
       As duas, lindas, louras e com cara de paisagem cochichando que só a mãe mesmo para fazê-las passar por aquilo...
       Chegando a hora de pedir (na verdade, exigir mesmo) a “colaboração” dos fiéis e convidados e o pastor não economizou na pregação: - Meus irmãos e irmãs quanto mais vocês doarem mais Deus lhe aumentará!Jesussssssss precisa da sua generosidade!! Venhaaaaaa! Entregue sua contribuição e as portas do céu se abrirá para você, meu irmão, minha irmã!
       A mãe abriu a bolsa e o tempo esquentou no templo... As filhas impediram a conclusão do seu gesto. “– Não se atreva a dar dinheiro para esse espertalhão!” Disse uma delas.
       - “Mas é só um real!” Disse a mãe.
       - “Nem cinquenta centavos!” Respondeu a outra.  “Olhe só quantas pessoas simples, que provavelmente irão deixar aqui até o dinheiro do ônibus, indo para casa a pé!”
       -"Mãe, li uma frase que se aplica bem para essa ocasião: 'Jesus não é empresa, banco ou financeira.... se o seu líder possui mais metas financeiras do que espirituais, caia fora, enquanto é tempo'!
      - Quer fazer caridade? Tudo bem, vamos encontrar na rua alguém que, de fato, precise. Esse aí já achou quem pague pelo show...
        Ladearam a mãe e foram tratando de sair da arapuca disfarçada de templo. Não sem antes ouvir o pastor afirmar que Satanás, às vezes, nos visita com aparência de gente respeitável, simpática e bela.
 

                                    .....................................

 
"São mais de 400 igrejas com nomes esquisitos espalhadas Brasil afora, dezenas em cada bairro, uma em cada esquina. A quase totalidade delas... nem aí para o Altíssimo. Funda-se igreja, abrem-se templos neste país apenas para ganhar dinheiro, ter isenção de impostos e tributos, armar trambiques em nome do Senhor.  Igreja rende mais que boteco. Investe-se pouco, os clientes/fiéis ajudam na mão-de-obra, doam dízimos e até votam, elegem suas bancadas.
As portas do templo abrem janelas, rendem concessões de rádio, horários e canais televisivos, tudo em nome de Jesus, o sangue de Cristo tem poder, xô satanás.
Começar hoje como obreiro, depois pastor é o caminho mais seguro para uma vereança, uma deputança, quem sabe uma prefeiturança, uma governança, uma presidença... A fé remove montanhas, está escrito.Ser bispo é uma questão de desempenho no convencimento dos fiéis a abrir o bolso. Não precisa estudo, nada de teologia, nada de conhecimento das sagradas escrituras. Pra quê? Pregar é saber comover, apenas. Vender esperanças, mesmo que seja no além. Lotes no paraíso. Indulgências, perdão dos pecados, vida eterna... qual o preço? Exorcizemos nossos demônios."
 
Oh céus, a quem chamar?
http://www.nublog.com.br/exibecompleta.php?tipNot=3&idColunista=14&codnot=3237