103 – ARREPENDIMENTOS...

Um grande amigo, daqueles que a gente tanto considera e tanto gosta, que nunca nos decepcionou, amigo para todos os momentos, solidário em tudo, e que o tempo por caminhos diferentes o levou, depois de décadas sem nos ver, eis que ele aparece em nossa casa acompanhado de sua esposa, estava com pressa, mas diante da nossa alegria em recepcioná-los aquiesceram em passar aquela noite em nosso lar.

Recordando os velhos tempos, muita carne na churrasqueira, ele gosta e muito de beber cervejas, depois de incontáveis goles, de contar e relembrar velhos causos e acontecimentos recentes, nas proximidades do braseiro os homens se reuniram, as mulheres se juntaram no salão de festa e de lá ouvíamos belas gargalhadas, na certa falando da vida dos outros.

As horas passaram rápido, várias visitas se retirando, as mulheres arrumando a bagunça, por fim ficamos sozinhos lambiscando alguns petiscos, foi quando ele sussurrou desabafando:

- Meu amigo! Até hoje eu me arrependo não ter ouvido os seus conselhos!

– Mas, o que houve?

– Lembra daquela moça, a congregada que foi minha namorada nos velhos tempos?

– Sim, como iria esquecê-la! Nunca mais a vi, deve ter mudado desta cidade.

– Você se lembra que naquela época ela se engravidou, e eu a levei até a cidade vizinha para fazer o aborto, e que você foi radicalmente contra! Lembra?

– Inesquecível!

– Pois então, na minha família não existe uma só pessoa que tenha defeitos físicos de nascença, meus dois filhos nasceram perfeitos, mas a meninha...

– Santo Deus! Conta logo!

– Na época eu falei pra você que na análise do sexo do feto daquele fatídico aborto era uma menina, e aquele acontecido ficou retinindo aqui dentro da minha cabeça, hoje olhando a minha filhinha que nasceu toda aleijada penso que isto é um castigo, naquela época não pensava assim, só queria me livrar da responsabilidade de ter que criar um filho, muito mais fácil mandar abortar que assumir um compromisso para o resto da vida. Destruí a vida de uma inocente, na certa também destruí também a vida daquela moça. Penso que estou colhendo o que plantei, e pensar que você tanto insistiu para que eu não cometesse aquela loucura!

– Amigo! O que está feito está feito, e não existe uma mágica para consertar o passado! Cabe a você amar e cuidar com todo o carinho da sua filhinha!

Ele olhando para os lados na tentativa de disfarçar as suas lágrimas, mas sua voz embargada denunciava a sua angustia:

- Talvez essa minha filhinha aleijada seja a mesma que eu mandei arrancar a ferros das entranhas daquela moça, quando olho para a minha filhinha uma agonia toma conta de mim, das vezes penso que vou enlouquecer, quando estamos sozinhos, eu e a minha filhinha, baixinho eu peço perdão pela barbaridade que cometi, peço perdão para aquela moça que foi forçada a fazer o aborto, peço a Deus que alivie o sofrimento dela, então me lembro do meu grande amigo da juventude, até hoje eu não consigo entender você, você não tem religião, nunca foi a uma igreja, é a favor da pena de morte, mas se posiciona tão firmemente contra o aborto!

– Meu caro e estimado Amigo, qualquer pessoa, independentemente se tem ou não religião, se tem ou não crenças, é capaz de discernir o que é o certo ou o que é o errado, neste caso eu nunca mudarei de posição, para mim o aborto sempre será um crime.

– Minha esposa é tão boa, trabalhadeira, honesta, tenho vontade de desabafar com ela, contar esta mácula do meu passado, e das conseqüências que advieram daquele irresponsável ato, além daquela moça, a congregada, somente você sabe desta vilania que cometi, e tenho absoluta certeza que você nunca contou pra ninguém, se tivesse contado na certa ficaria sabendo! O que me diz? Conto ou não conto para a minha esposa?

– Se eu fosse você morreria, mas não contaria este segredo para a minha esposa, o levaria comigo para o túmulo, se contar tem muitas chances de destruir o seu casamento.

– Também penso assim! Mas e esta agonia que avassala a minha alma e está me destruindo?

– Você que é tão religioso, que tanto vai à igreja, reze, reze, reze, mostra a Deus o seu arrependimento, ajude os necessitados, em seus momentos de angústia visite um desses orfanatos de meninas abandonadas, faça companhia para elas, ajude aquelas que você puder ajudar, adote uma menina e não é necessário levá-la para casa, você fica responsável pelas despesas com materiais escolares, uniforme, se puder ajude também na compra do lanchinho, pequenas coisas que darão belos resultados no futuro... A caridade é o melhor bálsamo para os sofrimentos da alma!

Na madrugada meu amigo partiu e os meses partiram atrás, eu ainda não sei se ele conseguiu encontrar o seu equilíbrio emocional e espiritual, mas de uma coisa eu tenho absoluta certeza, foi no arrependimento que ele aprendeu a lição!!

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 21/09/2011
Reeditado em 27/09/2011
Código do texto: T3233007
Classificação de conteúdo: seguro