Fernando de Noronha ou Tia Neuzinha?
 
Aqueles dias de dezembro eram sempre muito especiais. Além de festivos,
surpreendentes. Toda a família curtia os sabores e os prazeres, deles advindos.
Sol fazia. Há sempre um clima próprio aos jogos do prazer e eram muitos os
motivos para tal interação. Considere como o principal deles, a família reunida.
Sem ser regra absoluta, a orla marítima exerce sobre os homens um poder
mágico, sensual, sem comparação. Assim transcorriam as férias daquele grupo.
Porém, bastou um telefonema, um simples telefonema para mudar toda a
programação ferial dos Medeiros.
 
Bem, a notícia era o seguinte: Tia Neuzinha, embora estivesse em estado crítico de saúde, ou terminal mesmo, bem podia ter aguentado mais alguns dias ou
até passar o Ano Novo, para "bater as Botas", exclamara Nelma. Logo hoje,
dia 23, anti-véspera de Natal, somente dois dias após nossa chegada, meu
Deus é  demais, alegava Domício.
 
A notícia bombástica  gerou discussão, mesmo sendo caso de morte e  de
quem se tratava, justamente da Matriarca dos Medeiros, detentora de
 "absurdo" patrimônio, tanto de âmbito nacional quanto de internacional.
Norminha, 16 anos e Sandro 17, filhos de Nelson e Laura, bateram o pé em
posição de recusa, quanto ao ato de comparecer aos funerais da  Vovó.
Que falta de consideração!     O casal Domicio e Nancy, mais os filhos Júlio
e Nelma, alegavam não ser justo que alguém ficasse.
 
O amargo regresso da paradisíaca Fernando de Noronha, era por demais
custoso. Quem sabe agora, livre desse  ex "iminente" empecilho,  dizia
Norminha, apoiada por Sandro, que poderiam retornar de São Paulo, tão logo
se livrassem dos funestos protocolos sociais. Enfim, houve consenso e os oito
membros viajaram à Paulicéia,  para o último adeus a Tia Neuzinha.
 
Eram visíveis os semblantes de contrariedade, não tanto pelo adeus à
finada, é claro, mas sim pelo fato de atender a tão maçante ritual funerário,
carregado de hipocrisía social e sentimental.
 
A vida é um rosario de contradições, pois enquanto uns, pela força das
contingências, vão para dentro da terra, outros, por puro prazer vão para
dentro do mar.  Assim, tudo se arranjou. Despachada, Tia Neuzinha, no dia
25, tão logo no dia seguinte, numa ensolarada manhã, aterrisava o Bimotor
no campo de pouso da propriedade dos Medeiros, levando toda a gama  de
herdeiros, para as delícias da esplendorosa e cinematográfica Fernando de
Noronha.
 
A Matriarca, tornara-se tão somente, dois números: o número do óbito e o
número da  lápide.

 
jray
Enviado por jray em 06/11/2011
Reeditado em 22/08/2013
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