A SENHORA, O CÃO E O GARÇOM

Não é que eu não goste de cães. Pelo contrário, até já tive alguns. Infelizmente morreram os últimos dois, de cinomose. E olha que eram vacinados anualmente, aqui em casa mesmo, quando eu chamava a pessoa para aplicar a tal vacina. Decidi, então, não ter mais cachorro em casa.

Mas, na verdade, quando me deparo com um cão no meu caminho, tomo as minhas precauções. Alguma coisa me diz que ele pode me dar uma mordida na perna. Com esse temor, procuro me acautelar.

Fui almoçar em um restaurante tradicional da cidade, num domingo. Fui só. O restaurante fica numa galeria de um edifício, onde há diversas lojas e outros restaurantes. Uma parte do restaurante funciona no hall da galeria, onde transitam muitas pessoas. É um ambiente popular, simples, arejado, agradável. É até permitido fumar.

Encontro uma mesa vazia. Aliás, outras também estavam disponíveis. Sento-me, chamo o garçom, peço uma cerveja e escolho o que comer. Em uma mesa vizinha, vejo uma senhora de terceira idade, desacompanhada, tomando uma cerveja e servindo-se de alguma coisa como tira-gosto. Ao seu lado, imóvel, deitado, um cão, cuja raça não pude identificar. Conhecer raça de cachorro não é o meu forte.

Outras mesas são ocupadas e muitas pessoas transitam pela galeria. De repente, o cão se põe a latir, chegando a assustar-me um pouco. Desapontada, a senhora então me explica que o cachorro reconheceu um casal que passava, motivo pelo qual latiu. Entendí aquilo como uma espécie de cumprimento do cão às pessoas que conhecia. Logo após, o cão voltou ao seu estado de inércia, como o havia encontrado, sem causar nenhum incômodo.

Eis que surge o garçom, dizendo que a senhora teria que deixar o local, por não ser permitida a presença de cães. Achei que ele se mostrou arrogante. Trouxe a conta e exigiu que a senhora deixasse o local. Tentei interferir em favor da senhora, dizendo que o cão não estava incomodando. Não adiantou. Depois de ligeira discussão, a senhora pagou a conta e foi embora, conduzindo o seu fiel companheiro. Foi embora, naturalmente, após terminar a sua refeição.

Estranhei a atitude do garçom. Primeiro, porque permitiu que a senhora ocupasse uma mesa e fizesse o seu pedido, no que foi atendida. Segundo porque desconheço a existência de alguma norma legal que impeça a alguém de estar acompanhado do seu cachorro quando num restaurante. Pode ser que haja, talvez uma lei de âmbito municipal. Mas ali era como se fosse uma mesa na calçada, como tantas que há por aí. Além disso, ele foi descortês ao se dirigir à senhora.

Se existir tal dispositivo legal, como fica o deficiente visual quando entra em um restaurante, acompanhado do seu labrador? E quando um deficiente visual se hospeda em um hotel e se utiliza do restaurante do próprio hotel?

Seja lá como for, houve uma incoerência do garçom, ou do responsável pelo estabelecimento. Como poderia ter atendido a senhora em seu pedido e, depois de algum tempo, praticamente tê-la expulsado?

Antes que a senhora se retirasse, disse a ela que procurasse saber se realmente existe algum impedimento legal em relação à presença do cão naquele tipo de estabelecimento. Ela me respondeu que, assim que o seu marido recebesse alta do hospital em que estava internado, ele iria cuidar do assunto. Ao sair, me desejou felicidades, ao que retribui.

Aquilo me deixou comovido. Uma senhora solitária, com o marido hospitalizado, levou o seu cão para acompanhá-la e recebeu aquele tratamento. Não foi justo. Todos merecem respeito, em especial uma pessoa de terceira idade, tendo por companhia apenas o seu cão de estimação.

Provavelmente aquela senhora não volte mais ao tal restaurante. De minha parte, enquanto perdurar o sentimento que ora me assola, serei solidário e não pretendo ali retornar.

Augusto Canabrava
Enviado por Augusto Canabrava em 01/01/2007
Reeditado em 02/01/2007
Código do texto: T333209
Classificação de conteúdo: seguro