As feras da estrada da Pêra
O ano era 1984, e as lavouras de algodão faziam com que a terra vermelha fosse coberta por uma fofa nuvem branca que impressionava os passantes.
As fazendas eram grandes propriedades, com colônias de trabalhadores que moravam no campo e trabalhavam a terra. Os imigrantes japoneses labutavam duro, e trabalhavam no sistema de meação na lida diária na roça.
Naquela época, os defensivos agrícolas tinham preço altíssimo, e com isso, as fazendas eram alvos constantes dos ladrões, os quais a população rural começou a chamar de "meninos veneno".
Esses ladrões chegavam em caminhonetes e caminhões, e quando não conseguiam furtar o veneno, utilizavam-se de armas para render os agricultores e roubarem todo o estoque de insumos que fosse encontrado estocado nos barracões.
Além de adquirir várias armas de fogo, o Sr. Toshiro, proprietário da fazenda Pêra e vítima constante de assaltos, adquiriu um casal de cães da raça Fila Brasileiro, os quais eram trancafiados em grandes caixotes durante o dia, e propositalmente soltos durante à noite, com o objetivo de afugentar os ladrões que se aproveitavam da escuridão para agirem.
Os cães metiam medo em qualquer mortal. O macho era do tamanho de um bezerro desmamado, sua coloração era uma mescla de listras cinza escuro e pretas. A cabeça era enorme, e a corrente que o prendia era das mais grossas. Já a fêmea era um pouco menor que o macho, também tigrada, porém, o cinza dava lugar ao caramelo.
A cadela era mais territorialista, rápída e alerta, e o macho mais forte, silencioso e feroz. Era uma dupla perfeita.
A fazenda nunca mais fora assaltada, pois os cães, além de amedrontarem, serviam como uma espécie alarme, latindo e rosnando, fazendo com que os agricultores se preparassem e tomassem armas à espera dos meliantes.
Certa noite, depois de ter tomado várias pingas no boteco do Nhô Bé, um caipira chamado Tonho Pomba, olhou para a lua clara e resolveu ir pescar de madrugada num ribeirão que ficava lá pros fundos da Fazenda Pêra.
Pegou o caixote de madeira, e foi enchendo com uma lata de terra e minhocas, um facão, uma lamparina, um litro de pinga, um pão com mortadela e um embornal no qual guardava anzóis, linha e chumbadas. Amarrou duas varas de bambú no cano do quadro, encaixou o caixote na garupera da velha bicicleta Gorick e saiu pedalando, assobiando feliz rumo à pescaria.
Chegando na Estrada da Pêra, Tonho Pomba ouviu um único latido bem longe, depois outro, parecendo resposta, e continuou pedalando tranquilamente.
Uns 50 metros à frente, ouviu uma espécie de galope em meio ao algodão. Já era tarde. A fêmea pulou na perna do ciclista e o derrubou da bicicleta, uma mordida forte foi travada na canela de Tonho Pomba. A cadela agitava a cabeça para ambos os lados. Tonho Pomba começou a gritar desesperado, chamando por ajuda.
Nisso o enorme fila macho chegou e atacou o pobre coitado bem na jugular, a mordida foi tão intensa que arrancou a metade do pescoço do pescador.
O corpo ficou irreconhecível, o rosto desfigurado, pois toda a pele foi arrancada. Alguns membros desapareceram, pois provavelmente foram comidos pelos cães.
No dia seguinte, o caminhão pau-de-arara chegava com os trabalhadores e o motorista viu a bicicleta caída bem no meio da estrada, algumas roupas rasgadas no local, e à frente, o corpo de um homem nú, totalmente dilacerado.
Apesar de os cães aparecerem pela manhã todos sujos de sangue, o Sr. Toshiro não desconfiou de nada, pois frequentemente os cães matavam porcos do mato ou capivaras enquanto ficavam soltos na madrugada, e chegavam no mesmo estado.
O dono somente desconfiou dos cães quando obteve a notícia de que um corpo fora encontrado todo dilacerado na estrada que margeava sua propriedade.
Não se sabe que destino foi dado aos cães, muito menos o quanto o pobre Tonho sofreu antes de morrer, vítima da feras da Pêra.