Incomodo

O vestido laranja de babados amarelos ondulava livre ao vento, deixando a mostra fartas pernas e joelhos surrados ao sabor da brisa leve de verão. Aquela era certamente a época favorita daquele corpo, a pele sedosa transpirava e transbordava doce vitalidade enquanto os raios de sol forte castigavam e faziam com que os cabelos escuros e muitíssimo enrolados brilhassem mais do que a própria estrela mãe do céu.

Quem visse corpo tão gracioso e harmônico com o mundo não saberia dizer que expressão áspera era aquela que povoava o rosto de traços fortes e olhos escuros, ao contrario de todo o resto, seus lábios denunciavam que aquela doçura estava de mal com o universo, que a estrela que lhe iluminava estava apenas presente tentando remediar algo de mal que havia lhe feito.

Lá estava ela, a doce morena de olhos rijos fitando o horizonte de sua varanda, era ela, a fonte de tantas noites deslumbrantes ou melancólicas, todas em claro por pele ou alma tão aveludada.

Não era o Sol o culpado por tudo que lhe amargava, apesar dele querer tê-la tanto quanto ele, não tinha o poder de tocar-lhe ou fazer qualquer mal maior do que uma pele vermelha ou queimadura.

Ela encarava a janela a sua frente, onde os lençóis azul-claros pendiam da cama bagunçada e dois sapatos de couro escuro se aprumavam alinhados perto ao tapete desalinhado, o dono daquele desorganizado arranjo ainda se encontrava jogado entre os lençóis e com a cabeça por debaixo do travesseiro com a fronha pela metade. Claro que ela não via esses detalhes, mas facilmente imaginava, já que estivera ali tantas vezes em ocasiões mais brandas quando a brisa era mais forte e o Sol mais ameno, quando os lençóis só não eram necessários quando se tinha uma companhia cálida e a junção dos dois corpos era a mais ardente de todas as combinações.

Ele também nem em sonho teria visão daquelas pernas morenas indo e vindo junto aos sons elusivos daquela tarde, não imaginaria que um daqueles cachos cismava em incomodar a face tão absorta em preocupações fugazes, mas tão fortes.

O horizonte de prédios não era mais suficiente para o sorriso dela, nem aquela farsa que insistia em chamar de amor, ele e suas mentiras não eram mais suficientes para satisfazer as ambições de um coração tão romântico e cansado dos diversos cortes que impediam o coração de bater em sua plenitude. Era como se todo o corpo ansiasse por um oxigênio que nunca supria todas as células e a dor de se ter pela metade era algo que invadia a alma e a deixava assim... buscando algo novo num horizonte tão conhecido e procurando uma sensação nova numa mentira tão velha.

Thaina Chamelet
Enviado por Thaina Chamelet em 13/12/2011
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