Uma História de Natal

Uma Historia de Natal

Não raro, ver Maria Doida. A Maria, também conhecida por "Tiazinha dos cachorros", visto que têm uns quinze; é catadora de ferro velho na Estrada Velha de Santos. Ela também usa sua pequena carrocinha para transportar o lixo de algumas lanchonetes até a lixeira. Falar com ela ou fazê-la sorrir é fácil, basta levar às vezes um saco de ração e uma sacolinha com roupas que já não uso: o difícil é ficar longe dos olhares ciumentos de seus cães, que a acompanham em qualquer situação.

Algumas vezes tentei descobrir um pouco mais da Maria. Disse-me um dia que veio de Minas, pelo menos foi o que entendi, e agora vive ali em um barraco construído a uns cinqüenta metros do asfalto entrando por uma trilha ao lado da estradinha da Biboca há mais de vinte anos. A vida que leva não é fácil, sem estudo e tímida, faz apenas o suficiente para continuar vivendo; coisa que não é privilégio seu, visto que a maioria dos brasileiros também faz o suficiente para continuar vivendo.

Num desses dias chuvosos que fui para lá pedalar, encontrei a Maria ali na frente do clube dos pescadores. Ela apanha os sacos de lixo, e os apalpa. Separa papelão e latas de alumínio, pega também qualquer coisa que possa parecer útil para ela ou para vender, trocar e reciclar. E lá vai ela, sempre com seus cães. De repente pensei: será que ela não é uma espiã de Deus, uma poetisa que cria maravilhosas poesias e se disfarça de mendiga, uma escritora a procura de inspiração, uma pensadora, ou uma louca depressiva que ao invés de pedalar cria seus cães com todo amor do mundo. Sinceramente ela mais parece um anjo!

Lembro-me que certa vez ela me disse que um dos mais tristes dias de sua vida foi quando sua cadela, a Lua, morreu atropelada ali na Estrada, no momento em que um estúpido testador de carros de uma concessionária desviou da carroça, mas não o suficiente para evitar lançar a cadela Lua para o outro lado da via. Nesse dia, dez cães a acompanhavam, e nove deles passaram ligeiros para o lado direito do carrinho, menos a "Lua", que, curiosa, vivia olhando para todos os lados e, nesse dia atrasou-se em seguir os companheiros. Maria ainda diz com lágrimas nos olhos: A Lua nem gemeu!

Maria só ouviu o baque seco da pancada na cadelinha. Ela ficou lá estendida enquanto alguns atletas que ali estavam desviaram se do que faziam para ver o que acontecia. Nesse dia Maria não "trabalhou" mais: pediu um saco no clube e, sob o olhar dos seus amigos cães, recolheu os restos da Lua e colocou no saco. Seguiu chorando até o barranco do pesqueiro, onde deixou o saco, enquanto foi arrumar uma enxada. Fez uma cova funda e enterrou a menina. Todos os seus cães acompanharam tudo.

Hoje em dia só atravessa a estrada quando tem certeza que seus únicos amigos estão em segurança. E ela continua ali e acolá a catar papelão e latas de alumínio. Quando vocês a encontrarem uma Maria por seus caminhos, chamem-na pelo nome e digam que seus filhos são lindos. Nada mais é necessário. Se puderem conseguir uma lembrancinha para ela, ótimo; se não puderem, não a olhem com piedade. Essas “Marias” têm um grande coração.

Lembro que nestes últimos anos perdi duas pessoas da família. O Natal é sempre um pouco nostálgico, principalmente quando lembramos que neste ano não estarão presentes pessoas queridas que até uns desses natais passados estiveram conosco. Nesse natal, devemos olhar com outros olhos para aqueles desprovidos da sorte. O papai Noel e o Menino Jesus devem ser lembrados.

Os presentes e os bons desejos que damos as pessoas que amamos, têm um significado especial. Existem presentes e desejos que não se encontram nas lojas. Ano que vem teremos novas alegrias e tristezas, quem sabe pessoas como a Maria dos Cachorros possam ser mais felizes! Fiquemos otimistas. Olhemos para aqueles que precisam. Ao menos uns 365 dias no ano que vem...

Incentivemos aqueles que dão amor a pessoas que não conhecem. "Deixai vir a mim as criancinhas, disse Jesus. Têm crianças de mais de cinqüenta anos de idade, igualmente ingênuas e carentes. Temos que procurar entender as palavras de Cristo na sua essência.

Feliz Natal para todos.

Homenagem a Meu Pai Marcos – Meu Tio Benedito “Ditinho" e a Antonio Carlos Affonso, Escritor da Periferia.

Marcos Pestana
Enviado por Marcos Pestana em 17/12/2011
Reeditado em 18/12/2011
Código do texto: T3394177
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