Cabôco de lança

Zona da Mata... Zona da Mata...

Os velhos senhores feitos de palha da cana-de-açúcar ainda estão embrenhados nelas, verdes, cinzas de palha de cana, cinzas de suas próprias cinzas. O facão desce sua navalha no pé da cana queimada e desce também o seu peso sobre o braço cansado de velhos movidos pelos vinténs extraídos do esforço de derrubar a cana, de fazer contas, de cortar os dedos, as pernas.

Arranhões... Arranhões... Zona da Mata... Zona da Mata...

Dentro de uma felicidade embebida no cansaço diário eles se preparam para uma jornada diferente. Tá chegando fevereiro. O preparo de suas vestes cinzentas da palha da cana dá lugar a outras vestes, coloridas e fugidias dos verdes dos canaviais. É azul cintilante, é vermelho cor de flor, é amarelo do ouro dos dentes dos antigos senhores de engenho da Zona da Mata... Zona da Mata...

A indumentária é preparada neste período para reverenciar as festas de momo. Enorme peruca brilhante, óculos estilo antigo raiban. Grandiosos óculos, de armação fortemente preparada para agüentar os repuxos e arranhões de momo, das Festas de Momo. Suas calças denotam estilos de gente das cortes. Meia alta. O sapato, ora o sapato é aquele qualquer que pra ele é o melhor que pode conseguir. Faz calos, esquenta os pés, mas sai bonito na foto da loira gringa que mostra do outro lado do mundo o seu achado antropológico.

O pesado ainda estar por si vestir. Os enormes e pesados chocalhos de metal lembram que é esforço e glória cinco de dias de carnaval, se contarmos apenas a folias de Momo. O grande chocalho de três, quatro badalos reproduzem um som de chocalho de pescoço de boi. Uma lança de madeira é preparada com fitas coloridas. Enormes fitas de retalhos que voam no manejo com destreza do agricultor que entrou em metamorfose. Um novo guerreiro surge. Um grande herói de histórias que não entraram ainda para os quadrinhos, pois os quadrinhos não comportam o herói verdadeiro que transpira de verdade um caldo preto de esforço, um caldo cinza de cinzas e transforma o seu esforço em caldo pra dois grãos de feijão, na sopa rala do dia-a-dia.

Na cadência de seus passos o badalo badala, chocalha, tilinta. O cabôco lança mão de uma fulô, coloca entre os dentes e magistralmente faz suas evoluções, juntando-se a outros heróis anônimos de uma Zona da Mata, festejando o que pra eles é muito mais importante: a celebração da vida...

Zé Beto
Enviado por Zé Beto em 10/01/2007
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