E SE...

Pedro olhou para o relógio. Detestava o ruído da multidão que circulava na sala de embarque, eram muitas as pessoas que iam de um lado para o outro, procurando algo, apressadas. Ele estava ali, no aeroporto de Frankfurt, em trânsito para Hong Kong, vindo de Lisboa. Ia fazer consultadoria numa empresa local, pelo menos durante quatro meses.

Apetecia-lhe sentar-se, uma vez que a espera seria algo longa. Viu vários bancos totalmente ocupados por pessoas de diversas nacionalidades, idades e formatos. Só um banco estava vazio, dirigiu-se-lhe rapidamente, pousou a mala ao seu lado e sentou-se. Pegou no jornal e deu uma olhadela às notícias.

Estava absorto na leitura de uma notícia referente à evolução dos ratings a nível mundial quando deu pelo movimento de alguém ao seu lado. Olhou despreocupadamente e viu uma jovem loura, atrapalhada com duas malas, procurando sentar-se no pouco espaço disponível porque o banco era curto. Ele pousou a mala no chão e chegou-se mais para o lado, dando-lhe espaço.

- Thank you – disse ela, mas o facto de lhe ter falado em inglês não significava que fosse dessa nacionalidade. A língua era internacional e a mais falada em todo o mundo.

Olhou-a de novo, disfarçadamente. Estava a ler um livro de bolso. Trajava de forma despreocupada, era alta, esguia e elegante, cabelo cortado curto, à pajem. E tinha um rosto muito agradável.

Continuou com a leitura do jornal, virou as folhas, mas fê-lo desastradamente e deixou cair metade no chão. Ambos se levantaram ao mesmo tempo, pegando cada um numa parte das folhas, ela sorriu e estendeu-lhe as que apanhou.

- Thank you – disse-lhe Pedro, de forma um pouco tímida.

- No problem.

Sentou-se de novo, mas desta vez ele teve o cuidado de dobrar as folhas, para não irem parar de novo ao chão.

Continuou na sua leitura, deixando correr o tempo.

Passados largos minutos, a sua vizinha levantou-se, pegou nas malas, deitou-lhe um olhar fugaz e avançou para as portas de embarque, parando na número doze, a cerca de quarenta metros, mesmo à sua frente.

Ele olhou rapidamente para o quadro electrónico e viu o destino do voo cujo embarque se fazia pela porta em causa: Paris. Seria alguma estudante alemã, a estudar nessa cidade ao abrigo do Erasmus ou outro protocolo estudantil? Bem, podia ser tanta coisa…

Desviou de novo o olhar para o jornal e continuou a sua leitura.

Às tantas, viu-o, mesmo ao seu lado. Era um marcador de plástico, com um poema de Saint Exupery, escrito em francês. Pegou-lhe. De certeza que era dela. Olhou para a porta doze, já todos tinham entrado.

Virou o marcador e reparou no K desenhado como se dum arabesco se tratasse. Devia ser a inicial do nome – Kathy, Katherine? Compreendia que o seu valor só podia ser afectivo, pois o custo era geralmente bastante baixo.

A situação fê-lo pensar de novo nela.

Era extraordinário como um instante podia mudar o destino das pessoas.

E se tivesse metido conversa?

E se a tivesse convidado para tomar um café e ela aceitasse?

E se tivessem ficado com a morada ou os e-mails um do outro?

A partir daí, uma amizade ou algo mais forte poderia ter germinado. As suas vidas poderiam ter seguido uma sequência completamente diferente. Ou não. Mas nunca saberia.

Resolveu guardar o marcador, talvez um dia voltassem a cruzar-se num aeroporto, ou a encontrar-se num outro sítio qualquer, quem sabe?

Entretanto, chegou a hora do seu voo, consultou de novo o quadro electrónico e dirigiu-se para a porta indicada.