ONDE EU DEIXEI AS FLORES
               DE MINHA VIDA? (EC)

 
 
- Dora, outro dia, quando eu atendia uma cliente em casa, ela me fez uma pergunta engraçada: se eu tive muitas flores na minha vida.
 
- Flores, que flores?
 
- Ah, sei lá... Acho que era pra uma pesquisa de Psicologia da filha que faz faculdade.

- E você, o que respondeu?
 
- Eu num entendi muito bem a pergunta, mas aí ela me disse que era subi... subi...
 
- Subjetiva; uma pergunta subjetiva, não é?
 
- Isso! O que é isso, Dora?
 
- É aquilo que não é objetivo. “Flores” é apenas uma metáfora para exemplificar o quanto de felicidade, de alegrias você teve em sua vida, acho que se trata disso.
 
- Ah! É só um módizê, né?
 
- É isso mesmo, Leninha, é por aí! Mas, e você, o que respondeu?
 
- Bão, depois que ela me explicou direitinho, eu falei que tinha muita flor na minha vida sim.
Tinha meus filho, meu marido, meu trabalho e a minha casa, que comprei com tanto suor...

 
- Tá certo, Leninha; essas coisas juntas representam as flores na vida da gente, de fato. Ai, Leninha... Cê mi tirou um bife, cuidado aí, menina!
 
- Desculpa, Dora, o alicate escorregou da minha mão. Vô prestá mais atenção. Mas, e ocê, amiga, quantas flor já teve na vida? Muitas ou poucas, diga lá.
 
- Ah, Leninha! às vezes eu me pergunto onde foi que deixei as flores de minha vida... Ou se as tive, algum dia, nem notei, sabe. Minha  vida sempre foi um calabouço profundo, cheia de altos e baixos. Eu precisei batalhar por cada pedacinho de chão que pisei e nunca tive tempo de plantar flores por onde passei.
 
- Ôxe... Num me fala isso nem brincano, muié de Deus!
 
- É, Leninha... Você pensa que porque eu tenho curso superior, um ótimo emprego, ganho bem, tenho essa casa bonita, carro do ano, só por isso minha vida são flores?
 
- Uai, e não é não? Eu tô feliz com a minha casinha, que cabe três dentro da sua. Tenho três filhos, meu marido e um montão de amizades.
 
- Não é só uma questão de estar ou ser feliz, Leninha. Tem coisas que passam pela vida da gente e marcam tão profundamente, que apagam qualquer possibilidade de brotarem flores em nosso jardim.
 
- Ih... Cê hoje tá deprê, Dora... Gosto de te vê assim não! Que tantas marca foru essas?
 
- Entre outras coisas, a solidão, Leninha. Aquela solidão interior que a gente sente, mesmo quando está acompanhada.
 
- Mas ocê tá sozinha porque quer. Bonita do jeito que é...E seu ex-marido até já se arrumou com outra. Tá esperano o quê?
 
- Pois é, Leninha; beleza, dinheiro, sucesso... Nada disso é passaporte para a felicidade, nunca foi, minha amiga!
 
- É, eu sei, Dora. Tem cada enrosco na vida da gente... A rapadura é doce, mas num é mole não!...  

- Hã!?!? Kkkkkkkkkk...
 
- Ah, é módizê, Dora. Aprendi cum meu subrinho, o Wellington. Sempre que as coisa tão difícil ele fala assim.
 
- Eita, Leninha. Só você mesmo pra me fazer rir numa hora dessas em que as amarguras brotam lá de dentro da caixa de Pandora, só pra contrariar.
 
- Xi... O que é isso? Tem a ver com as flor
da vida, Dora?

 
- Mais ou menos, Leninha, mais ou menos! É um personagem mitológico, sabe... A caixa é um mito que explica a criação da mulher, da humanidade e de todos os males existentes no mundo. Ela deve permanecer fechada e eu cuido para que não se abra a minha. Só tem encrenca lá dentro, só dissabores e medos.
 
- Ih, Dora, tô entendendo nadica de nada. Dêxa eu me apressá, terminá sua pedicure e manicure, pra você ficá bem bunita e encontrar suas flor da vida, dentro dessa tal caixa da Pandora!



 
 
Este texto faz parte do EC
§ FLORES DA MINHA VIDA §
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