UM NATAL DIFERENTE!

UM NATAL DIFERENTE!

- Bom Dia mãezinha: - quantos dias faltam para chegar o Natal?- questionava-se o pequeno Carlos, menino cheio de vida, com um olhar encantador para os curtos sete anitos que tinha.

A mãe ficava sempre apreensiva, sem saber bem qual a resposta a dar, a cada vez que o rapaz a interrogava sobre esta matéria, mas lá ia dizendo que faltavam quinze, catorze, treze dias e por aí fora em contagem decrescente.

Certo dia em que apenas faltavam três dias para tão esperado acontecimento, a mãe do miúdo disse-lhe que naquela manhã iriam ambos fazer compras à lojinha do bairro para reabastecerem a casa com alguns haveres.

Chegada a hora, lá foram caminhando passo a passo até entrarem na mercearia do Senhor Joaquim.

Cumprimentaram o homem e logo o pequeno, pediu, abrindo arregaladamente os olhos, uns quantos caramelos de toffee e nata.

A mãe, coitada, ainda disse à criança que não podia comprar-lhe aquilo, porque senão depois, o dinheiro não seria o suficiente para levarem os outros bens mais essenciais para a ceia de Natal.

O Sr. Joaquim, homem honrado e muito bom chamou-o, pegou-lhe na mão e deu-lhe uma meia dúzia de rebuçados.

Envergonhada, Maria (assim se chamava a mãe de Carlos), retorquiu e mesmo insistindo com o merceeiro para não dar os doces, lá se acabou por convencer, porque o indivíduo não lhe cobraria algum valor que fosse, pois fizera questão de ofertá-los ao menino.

Entre uma conversa séria de como ia decorrendo a vida, Maria queixava-se, que muito mal, pois era só ela a suportar a educação do rapazote, uma vez que o marido se encontrava ausente no estrangeiro, pois cá, a situação era pior.

Ainda que ele mandasse algum dinheiro de vez em quando, não era o suficiente para fazer face a todas as necessidades, e Maria tinha que ser consultada por um especialista em doenças neurológicas todos os meses para além de ter que se deslocar vulgar e constantemente às urgências do Centro de Saúde, pois Carlos sofria de asma, o que tornava a situação muito mais grave, agora que as taxas moderadoras tinham aumentado e nem lhes tinha sido atribuído nenhum subsídio social.

Entre uma palmadinha de conforto, o senhor Joaquim lá ia entregando à freguesa o que ela lhe pedia.

Um quilo de cenouras, uma alface, um pacote de arroz e uns quatro chocolates.

Carlos assistia às compras sem soltar uma única palavra, pois deliciava-se com os caramelos.

_ Então este ano não leva um bacalhauzinho para comer com as couves lá do quintal D. Maria?- Perguntava-lhe o Sr. Joaquim.

_ Nem me fale em tal, então eu aqui a queixar-me da vida e da crise em que isto está e vossemecê ainda me vem a dizer para eu levar um bacalhau?- Na senhor, na pode ser nada. Va lá que me contente com a sopinha de cação e já não é mau, e olhe, mesmo assim, só vou levar duas postas.- Dizia Maria, já quase lavada em pranto.

O senhor Joaquim lá insistia para que ele levasse o bacalhau, pois deixava-a à vontade e pagaria quando pudesse, pois até para ele a crise lhe tinha batido à porta, não bastasse o consumismo dos dias de hoje nas grandes superfícies, senão os clientes que cada vez eram menos.

Maria, lá solicitou mais uma dúzia de coisas, despediu-se do senhor Joaquim e saiu da loja, regressando ao lar.

O tempo foi passando e o tão esperado dia chegou finalmente.

Maria recebera um telefonema do esposo, a desejar-lhe um santo natal, mas avisava que não poderia estar com eles nessa data, porque as despesas seriam muitas e como teria que voltar logo ao fim de uma semana, nem valeria a pena meter-se ao caminho.

_ Mas António, nem ao menos vens para ver o teu filho que tem tantas saudades tuas?- Perguntava Maria ao marido entre soluços que mal dava para entender o que ela falava.

Era mesmo impossível a vinda de António.

A criança, mesmo sem a presença do pai, brincava alegre, pois a sua inocência, nem de longe nem de perto o levava a aperceber-se da situação grave em que se encontravam.

A noite foi chegando e calmamente, ainda que devastada pela tristeza, Maria lá foi enfeitando um galho de pinheiro que pegara do seu quintalito e pôs junto dele uma vela e a imagem de Nossa Senhora, ajoelhando-se e pedindo bênção para a sua vida e para os seus.

Carlos, corria à volta da mesa e via a mãe pendurar na árvore, os chocolates que o senhor Joaquim lhe vendera.

Observou Maria, a ornamentar uma travessa com cenouras e couve- flor e questionou-se o que ela estava fazendo.

_ É a nova moda de saborear o que já não pode haver nesta casa. Sabes, esta couve é o lombo da lagosta, e as cenouras imitam as pernas. É que a troica está-nos a levar tudo o que de bom ainda podíamos alcançar.

Carlos, sem entender o que a mãe dizia, lá ia escutando a explicação, de que de eram uns senhores que tinham vindo lá do estrangeiro e em conjunto com os governantes de Portugal estavam a implantar medidas de austeridade para que o país recuperasse a economia.

_ Mãezinha, temos então que mandar esses senhores embora, senão se este ano imaginamos que comemos lagosta e não a temos, para o ano que vem, nem a imaginaremos, pois já nem ao menos prás cenouras haverá dinheiro- dizia Carlitos.

Dona Maria esboçou um sorriso nos lábios, olhou-o e abanou-lhe a cabeça dando consentimento à resposta do rapaz, dizendo-lhe:

_ É verdade filhote, e podemos nos dar por felizes, porque ainda que com a falta do teu pai, que gosta tanto de ti, tu tens o meu carinho, e apesar de não termos podido comprar-te nem sequer uma bola nova para tu jogares com os outros meninos, ainda temos Natal, mesmo sendo…UM NATAL DIFERENTE!

O Poeta Alentejano
Enviado por O Poeta Alentejano em 05/03/2012
Código do texto: T3536876
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