Imagem da internet, achei parecida com a menina aos 11 anos.
  
     Introvertida, poucos amigos, ao aprender a ler  refugiou-se nos livros, descobertos  por acaso  na biblioteca pública. Um dia entrou, viu as prateleiras cheias, encantou-se quando soube que poderia levá-los para casa emprestados,  aquele lugar virou parada obrigatória sempre que levava o almoço do pai. Um dia, a bibliotecária estranhou:

   —Menina, você pegou esse livro ontem, já leu tudo ou está só olhando as figuras?
   —Li tudo sim, a gente pode devolver antes do dia marcado e levar livro novo?
   —Ninguém lê assim tão rápido, mas se quiser pode sim. Escolha outro.
   Durante meses a menina se distraiu lendo dia e noite, chegou a esquecer seus afazeres: cuidar dos irmãos menores e dos serviços domésticos. Quando o livro era interessante acordava à noite e acendia uma vela ao invés da lâmpada, para não acordar seus pais.
    Quando já havia lido tudo quanto era livro das prateleiras baixas, reservados às crianças, dentre eles Monteiro Lobato os quais leu todos mais de uma vez, começou a  espichar os olhos para uns livros que ficavam lá no alto, aqueles  deveriam ser os melhores, muitas páginas, letras douradas na capa. Às vezes se ariscava e pegava um.
   —Esse não pode levar... Censuravam-na.
   Contrariada ia relendo, até que  aquela moça se casou e quando a biblioteca reabriu a menina foi a primeira a chegar...Quem sabe agora as coisas mudariam? Se tivesse sorte colocaria mãos e olhos naqueles livros da prateleira alta, principalmente aquele de capa vermelha.
    Com cara de sabida cumprimentou a nova funcionária  colocando o cobiçado  livrão na mesa:
   —Qual a sua idade? –perguntou a moça
   —Onze anos.
   —A outra deixava você levar desses livros?
   —Deixava sim... Mentiu a menina meio sem graça
   —Olha, na  minha opinião ele é meio pesado para você.
    Inocente, a menina ainda acreditava que era um avião que trazia os bebês ao mundo, não sabia que o livro era pesado em seu conteúdo.
   —Não é não...Sou forte, dou conta de carregar meu irmãozinho no colo todo dia.
   Rindo, a moça entregou-lhe o livro. De posse dele a menina voou para  casa e começou a ler na mesma tarde. Estranhou o vocabulário  desde as primeiras páginas, precisou de um dicionário... Leu sem parar, a cada página sua curiosidade aumentava, às vezes  assustava-se parando a leitura, mas logo voltava.
   Com medo da mãe desconfiar, escondeu o livro debaixo do colchão. Ao terminar estava confusa, mas foi a partir daí que compreendeu coisas até então desconhecidas, levaria tempo para assimilar as descobertas.
   No dia marcado para devolução, cobriu com vários jornais o livro, para não correr o risco de alguém na rua desconfiar  o que andava lendo.
    Olhos no chão, rosto corado, a leitora deixou na mesa da bibliotecária o embrulho, saindo em silêncio. 
  Talvez aquele livrão de capa vermelha e letras douradas tomou para si a inocência daquela menina...
 

Este texto faz parte do Exercício Criativo, leiam os outros autores e seus textos, acessem o link abaixo:


 
http://encantodasletras.50webs.com/inocencia.htm

 
Maria Mineira
Enviado por Maria Mineira em 16/03/2012
Reeditado em 17/03/2012
Código do texto: T3557772
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