CONTO – Nobre, uma lição de vida – Parte VII
 

CONTO – Nobre, uma lição de vida – 19.03.2012
 
               
                 Embora já tenha falado brevemente sobre sua passagem por Limoeiro (PE), retorna Nobre ao assunto, a fim de contar a propósito da posse dos aprovados no concurso de 1961, além de fatos corriqueiros do dia a dia, mas sem observar, por impossível, a ordem dos acontecimentos... São pinceladas, apenas.


            A agência do BB funcionava num prédio na Praça da Bandeira, numa esquina, próximo ao cinema São Luiz e bem juntinho da “Castanhola”, que era a zona do baixo meretrício. Do outro lado o bar do Jordão e na outra esquina os Correios, área muito movimentada, inclusive reduto dos namorados à noite. Lá também estava encravada a sede do Colombo Esporte Clube, à época presidido pelo Tabelião Dr. Mair Cavalcanti, um baixinho fanático pelo Sport Recife.

            Nobre fora talvez o quarto a tomar posse numa “leva” de quase trinta. Na sua frente assumiram Otalício e Edmilson Burégio -- naturais da terra -- e o Lício Pimentel de Oliveira, que procedera da capital. Os quatro foram designados para a CREAI – Carteira de Crédito Agrícola e Industrial, chefiada pelo Cláudio Lira Santos – ex Claudinete --, que fora substituído pelo Miguel Anacleto Pinheiro, em face de sua transferência. Nilton Vilanova de Albuquerque era o Subgerente, o antigo Contador, vindo de uma filial do Acre. Luiz Guerra exercia a gerência com inegável competência e liderança. Excelentes administradores, firmes, o patrão em primeiro lugar. Os serviços davam no “meio da canela”. O Nilton, quando não ia muito com a cara do sujeito o colocava na referida carteira.

            Época de financiamento agrícola da entressafra de algodão, milho e feijão, cujo plantio era consorciado, mas qualquer produto que o agricultor quisesse cultivar, desde que considerado viável, a proposta era tomada tranquilamente. Já havia um orçamento padrão, muito bem “bolado”, que facilitava sobremaneira os trabalhos. Ora, dispondo-se dos gastos de um hectare era só multiplicar pela área que seria plantada que dava tudo certo e mais rápido.

            Em uso os chamados contratos de abertura de crédito, no início meio trabalhosos, mas com o tempo foram se tornando “presa fácil” para os novatos que até já decoravam valores, cláusulas e condições. A rapidez com que os “novos meninos” se desincumbiam das tarefas era extraordinária. Nobre o menos rápido, sua batida na máquina de escrever daquelas antigas – Underwood e remington – era apenas com alguns dedos, enquanto que os outros três tinham conhecimento mais familiarizado com o teclado. Depois de algum tempo a produção ficara bem disputada... era “pauleira”. Nunca poderia adivinhar de onde saíam tantos rurícolas na vida, a maioria analfabeta. Vinha com um procurador ao lado. Uma vez chegara um desses pequenos produtores e falou que queria fazer o “cadaço”, “prantava” nas terras de “Gomes Zumba” e seu “percurador” era o “Joca Boiba”. Olha, esses dois ultrapassavam todos os recordes em matéria de procuração, até por que eram políticos, vereadores em suas cidades.

            Os serviços aumentavam a cada dia. O governo popular queria de todo jeito fazer o dinheiro chegar às mãos dos agropecuaristas. Miguel Arraes era o governador do Estado, Jango o Presidente da República. Havia assumido com a introdução do “Parlamentarismo”, novo sistema implantado para tornar viável sua posse. Significava que quem governava, realmente, era o Primeiro Ministro, no caso o Tancredo Neves. Pouco tempo depois, num plebiscito, o povo brasileiro optou por voltar ao “Presidencialismo”. De vez em quando a agência dava posse a novos funcionários, mesmo assim as prorrogações de expediente eram de tal sorte que as tarefas estavam bastante pesadas. O Sr Nilton só autorizava o pagamento de até vinte horas. Bola pra frente, o banco era o melhor “patrão”, pagava bem, dava regalias extraordinárias.

            O ambiente era fraterno, um por todos e todos por um. Apelidava de “a família BB” tal era o entendimento, a confiança e a solidariedade que reinava. Havia o futebol de salão de todas as tardes na quadra do Colombo, e o Nobre era cobrão tanto nessa modalidade como no futebol de várzea; treinara até no Clube Náutico Capibaribe e no Sport Clube do Recife. Era sair do trabalho, passar na república, no andar superior, no mesmo prédio, pegar o material e o resultado era que só à noitinha se dispersavam, mas se reencontravam na “hospedaria”, digamos assim. A necessidade de uma AABB era patente... Alguns optaram por uma associação de bancários, porém a opção do Nobre por uma específica saíra vitoriosa.

            Impressionante a resistência do novo subgerente, senhor Jácome, que havia substituído o senhor Nilton. Chegava ao banco antes das 07.00 horas, não almoçava, largava por volta das 16.00 e ia direto para o bar do Jordão tomar a sua cervejinha de sempre. Boa pessoa, bom colega e ótimo chefe. Nunca se viu um deslize seu. De uma cultura geral inconteste, escrevia de modo escorreito o nosso vernáculo, além de dominar outros idiomas..., casado com dona Lourdinha. Bom contador de histórias... trabalhara por último na sucursal de Arcoverde, “porta do sertão” pernambucano.

            Depois de muitas investidas a diretoria da AABB conseguira alugar uma casa enorme na Rua da Matriz, cujo quintal possibilitara a construção de uma precária quadra de esportes para onde se deslocaram todos os treinos de futebol-de-salão. Nobre jogava bem, magrinho, chutava com os dois pés... Todos o escolhiam para jogar de seu lado... Gostava de colocar a bola por dentro das pernas do adversário... o Lalá que o dissesse... ficava puto da vida..., mas o danado é que ele era avisado de que a “firula” iria acontecer, porém  “abria as pernas”...      
 

            O time era bom, o goleiro apenas era estranho aos quadros, o Vavá, vendedor de uma loja de tecidos. Junto com ele o Wálvisson, Walmir, Nobre e Carlos Alberto formavam um conjunto espetacular. A “canhota” do Carlos era um verdadeiro “canhão”... Bola pesada... podia sair de perto... tiro certeiro e rápido....gollllll.   Mas a bola chegava de “bandeja”, pronta para o chute... a assistência de primeira... Era tiro e queda. Do time ainda participavam o Laelson, Matias, Geraldo Guerra, Edmilson, Antero e mais um ou outro colega, de vez em quando. Poderia perder pra todo mundo, mas para o Colombo era difícil. O Lula Ribeiro, genro do dono do cinema, jogador violento e brabo não se conformava... perdia quase sempre, embora contasse em seus quadros com a escalação do melhor jogador de salão visto na cidade e adjacências, o Zezinho, filho do Falcão da Padaria. Craque na expressão da palavra. Não produzia nada quando o Walmir o marcava... Era seu cunhado.

            A AABB, em face de sua modelar organização, embora pequena, funcionava como uma espécie de federação, patrocinando campeonatos locais e até entre congêneres do Estado. Sucesso absoluto. Quando se enfrentavam Colombo X AABB a quadra recebia público sensacional, parte torcendo pelo alvinegro e parte pelo alvi-azulino. O pessoal do banco recebia o apoio da torcida do Centro Limoeirense, alvirrubro, que chegara a disputar até mesmo o Campeonato Pernambucano de Futebol profissional. O Nobre treinara no clube por indicação do seu compadre e colega de banco, Lúcio, chefe do cadastro, “cara” de quase dois metros de altura. O treinador era o Dante Bianchi, argentino que militara no futebol estadual por muito tempo. Nessa fase ficou só nos treinamentos, mas depois que o clube abandonou a disputa do profissional chegou a jogar amistosos pelo interior, em eventos liderados pelo “Danda”, que ainda praticava o esporte bretão, “Dão”, um dos melhores zagueiros centrais da região, e pelo Severino, mas conhecido por “Vi”, armador de primeira grandeza.

            O certo é que existia de há muito uma ferrenha disputa entre o Colombo e o Centro, cada um querendo ser melhor do que o outro. Nobre tinha simpatia pelo Centro, embora também jogasse pelo adversário. Tudo por influência do colega Otalício, que pertencia ao quadro diretivo deste. Os bailes que patrocinavam sempre foram muito concorridos... Carnaval nem se fala... Tempo bom aquele... que não volta mais. São João na casa do Lúcio e Filhinha, sua mulher, com muita fartura, forró e até casamento matuto. A Rua da Alegria não escondia seu próprio nome... animação geral...

            No ano da posse de 1962, a Copa do Mundo. Limoeiro recebia o sinal da TV muito precário, alguns colegas viajavam para assistir aos jogos em outras cidades... na casa do Frazão, na praça da Bandeira, a nitidez era melhor... Nobre sempre recorria ao companheiro...a torcida pelo Brasil empolgava a todos...a seleção estava com jeito de campeã...Amarildo no lugar de Pelé, que se machucara...e eis que o bi mundial havia sido conquistado.

            Gente, naquele período os casamentos andavam soltos. O Nobre fora o primeiro, com dona Jane; Otalício depois, com a Tercinha, filha do Manoel Galego e de dona Nina; Ivanildo, a seguir... aí o resto da turma aprendera facilmente... algumas garotas da cidade conseguiram “amarrar” gente da nova “safra” e sair do caritó. Isabel com Antero e outros que não lhe chegam à memória.
Ansilgus
Até o próximo capítulo
Nota: Os nomes citados são reais. Muitos deles já se foram...

Foto atual da AABB - Limoeiro.

 
ansilgus
Enviado por ansilgus em 19/03/2012
Reeditado em 21/05/2012
Código do texto: T3562813
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