DOR

Marina estava sentada no sofá da sala, com a mente distante, pensando em como tantas coisas ruins poderiam acontecer a ela. Seria culpa de uma ingenuidade retardada, já que a vida sempre lhe dera rasteiras e deveria ter aprendido a viver há bastante tempo? Jamais saberia a resposta. A única coisa de concreta que possuía era a certeza de que não nascera para ser feliz, embora tentasse amenizar o sofrimento das tantas pessoas que por sua vida passaram.

Sempre amiga, presente, boa ouvinte, solidária, parceira e companheira para o que desse e viesse. Mas a recíproca jamais fora verdadeira. Burra! Sim, era assim que se adjetivaria para o resto de sua vida que, esperava, não tardasse a terminar.

A campainha. Quem seria? Ninguém realmente se preocupava com ela. Deve ser alguém precisando de ajuda. Só pode. “São os que me procuram. Já estou de saco cheio disso”.

Ao abrir a porta se deparou com a sua única e verdadeira amiga, aquela era a única a quem fazia algumas confidências, mas nem todas, pois era de natureza reservada quanto à sua vida íntima.

- Oi, Clarice. Que bom que veio me visitar. Algum problema?

- Nada. Estava enjoada de ficar em casa. Um tédio mortal. E não sei o motivo, mas você não saía de minha cabeça.

- Eu? Comigo está tudo bem.

- Só se eu não te conhecesse, amiga. Essas olheiras profundas, essa tristeza no olhar. O que está havendo com você? Está tomando seus medicamentos?

-Sim, querida, tomo. Mas eles não podem me impedir de ter experiências ruins.

- Imagino o que seja. Então foi mesmo uma grande desilusão! Está doendo muito?

- Estaria pior se eu não tivesse meus remédios e meu emprego. Um alivia a dor e o outro me distrai. Mas perdi de vez a esperança na vida.

- E as crianças, seu marido, saíram?

- Sim, eles não sossegam em casa. Mas, pelo amor de Deus, não deixe que eles percebam. Já se preocupam em demasia comigo. Não quero vê-los preocupados.

- Nem sei o que te dizer. Foram tantas dores, tanto sofrimento. Parece que entrou numa roda-viva de tortura.

- Não há o que falar, Clarice. Certas coisas nos deixam sem ter palavras. Ou como disse a Nélida Piñon: “Certas experiências varrem a vida para lugares onde não se pode ir pedi-la de volta”.

- Como consegue guardar certas citações?

- Porque quando as li foi como se tivessem sido escritas para mim. E a primeira vez em que a li tinha somente 18 anos. Como pode perceber, as coisas nunca foram fáceis em minha vida. Quer um café?

- Quero sim. Você está fumando muito. Dessa forma vai acabar se matando.

- E não é justamente isso que quero? Viver para que, Clarice? Para ter dores na alma, feridas no coração e tristeza no olhar?

- Marina, me diga uma coisa: ainda guarda aqueles comprimidos?

- Sim, claro! Quando tudo se tornar insuportável, lanço mão deles. Como dizia um primo de quem fui muito amiga: “Eu estou aqui e o suicídio ali na esquina”.

- Amiga, você tem uma linda família. Pense neles.

- Sim, eu tenho. Mas se eles são assim é porque dediquei meu tempo integral a educá-los, apoiá-los, ensinar-lhes sobre ética, caráter e outras coisas mais que fazem a diferença na vida de todos nós. Agora sou dispensável.

- E o que pretende fazer com esse novo problema?

- Ainda não sei. Estou sob efeito dos remédios. Posso me afastar, posso voltar atrás. Sinceramente, não sei para onde está indo minha vida. Sou madura demais para ser enganada. Mas há uma criança carente, bem lá dentro de mim, que anseia por ser muito bem tratada. Mas acho que ela não vai realizar o seu desejo.

- Mudando de assunto. Vamos sair, ver um filme, tomar um chope?

- Boa ideia. Espere que eu me arrume e iremos.

Clarice olhou em volta e sentia a energia da dor e da tristeza que existiam naquele apartamento. Conheciam-se há anos e sabia que sua vida fora realmente cheia de dores, de perdas, de altos e baixos (mais baixos do que altos). Marina era uma mulher bonita, inteligente, sofisticada, culta. Por que não conseguia ser feliz? Por que tanto sofrimento?

Enquanto isso, no banheiro, Marina, enquanto se arrumava, tomava a caixa do tal remédio. Sim, sairia, tomaria chope e acabaria com suas dores de vez.

Arrumou-se lindamente, se maquiou, colocou um belo par de sapatos, pegou a bolsa.

Ao chegar na sala, Clarice disse:

- Marina, você está deslumbrante! Linda mesmo! Até seus olhos estão com um brilho intenso.

- Sim, querida, vou tentar me divertir.

Mas Marina nem chegou ao primeiro andar. Morreu ali mesmo, dentro do elevador. E com sua morte, seus sonhos não realizados e suas dores chegaram ao fim.

28 de março de 2012. 21:45 horas

Emar
Enviado por Emar em 28/03/2012
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