Em busca da felicidade que se foi

E aqui estou eu com meu ursinho de pelúcia. Andando pelas ruas errantes, mais sem rumo que o vento. Meu nome é Aparecida, mas podes chamar-me de "Desaparecida", pois todos passam por mim, mas ninguém nota minha presença.

Ah! Quanta falta sinto do meu pai... Aquilo que era pai! Mesmo sem condições, fazia de tudo para, no fim de cada mês, dar-me um brinquedo novo. Dos brinquedos que ganhei, resta-me meu eterno companheiro, meu urso. Pena que meu pai se foi, após ter sido vítima de um assalto... O bandido queria só o dinheiro, meu pai mandou que eu corresse com nossa renda e, agarrando o assaltante, acabou levando um tiro. Papai sabia que morreríamos de fome sem aquele dinheiro...

Lembro-me também de minha mãe, senhora de todas as coisas... Foi-se para o lar etéreo, depois de ter sido mais uma vítima da AIDS, contraída de um estupro, quando ela já chegava ao nosso barraco. Papai nessa época já estava com Deus...

É, a vida começou mais cedo para mim. Ando por aí, apenas na companhia do meu ursinho. Sem teto, sem lar, sem chão... Quando acordo, a primeira coisa em que penso é no que comerei, se encontrarei alguma alma caridosa. À noite, procuro um lugar seguro para dormir, longe de homens que ameacem "minha dignidade". Certas vezes sofri grande perigo de perdê-la e, quando pensei que não mais veria a luz do dia, algo inefável me salvou. Só pode ser proteção de mamãe e papai...

Só uma coisa é certa em meus dias: todos os dias tenho que passar por uma loja de ursinhos, a olhar do vidro aqueles brinquedos. Muitos pensam que faço isso porque cobiço ter um daqueles, mas não é isto que me motiva ficar horas e horas a fitá-los. Na verdade, quando olho bem nos olhos daqueles ursinhos através do vidro, os olhos deles lembram os olhos mádidos de meu pai e minha mãe através de uma janela envidraçada de uma UTI, quando quase morri de fome... Aquele dia, em que quase fui para o céu, foi o dia mais feliz da minha vida, pois, na intersecção que existe entre o meu universo e o universo exterior, eu só conseguia ver os olhares de papai e mamãe que, apesar de lacrimosos, passavam-me proteção, esperança.

O maior sonho de minha vida não é ganhar brinquedos, casa, ou encontrar quem me alimente. Meu sonho é poder ver aqueles olhares mais uma vez e, num abraço infindável, viver na eternidade com papai e mamãe.

Enquanto isso, continuo minha caminhada... Com meu ursinho na mão, vivendo o passado, fugindo do presente e fantasiando o futuro!

Innocencio do Nascimento e Silva Neto
Enviado por Innocencio do Nascimento e Silva Neto em 07/04/2012
Reeditado em 09/04/2012
Código do texto: T3599379
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