O SUICIDA

Paineiras era uma fazenda próspera, localizada a pouco mais de 2 km da cidade de Monte Alto, com muito gado e uma extensão muito grande de mata virgem, onde invasores retiravam palmito e até lenha, buscavam naquelas matas, sem contar os caçadores clandestinos que colocavam armadilhas para pegar os bichos que andavam pelas trilhas da mata à noite. Era um problema para o proprietário Sr. Manoel Quirino que já estava morando na cidade, numa casa grande, confortável e com fama de fazendeiro bem sucedido. Para matar o tempo resolveu abrir um comércio e passava o dia todo atrás do balcão, às vezes acompanhado de sua esposa Dona Naná que era especialista nas compotas. Doces famosos na região, procurados e encomendados por gente até da Capital. Até os queijos que vinham da fazenda eram procurados na venda do seu Quirino.

Depois que mudou para a cidade entregou o comando da fazenda para João Silva, caboclo bruto e forte como um touro que pegava boi a unha e amansava os cavalos mais brabos que por lá apareciam. Sua esposa Ana, que nos velhos tempos era ajudante de Dona Nana, tomou seu lugar na administração da casa e ficou encarregada da fabricação dos queijos e lingüiças que seu Quirino vendia na cidade.

Assim passava o tempo, João Silva na fazenda administrando tudo e seu Quirino comerciante próspero na cidade, onde seus filhos estudavam.

Todos os dias, às 5 horas da manhã seu João já estava com os latões de leite na carroça para levar para a cidade. Só levava o leite da manhã, pois o que era tirado à tarde destinava-se à fabricação de queijos pela sua esposa.

João tinha quatro filhos. O mais velho, logo que pegou tamanho, correu para a cidade e foi morar com uns parentes e lá trabalhava de ajudante na construção. Trabalhar com o seu pai não tinha moleza, era acordar cedo e dar duro nas tarefas, até tudo ficar pronto, à seu gosto. Não admitia nada sujo nem fora do lugar.

Além de levantar de madrugada, costumava dar umas incertas na mata, para ver se pegava algum ladrão de palmito ou caçador clandestino. Vez ou outra pegava um e amarrava o sujeito na mangueira do seu quintal até no outro dia, quando chamava a polícia e entregava o meliante.

Era assim o caboclo João Silva. Correto, justo e não se permitia errar. Seu orgulho era manter tudo em ordem para quando patrão por lá aparecesse elogiasse sua atuação na administração da roça. Nem pedia aumento de salário, ficava satisfeito com a confiança que o sr Quirino depositava nele. Disso, o caboclo fazia questão.

Com a saída do segundo filho que também de bandeou para a cidade, seu João ficou só com os dois pequenos e a dona Ana. Haviam alguns empregados um que morava num casebre na fazenda e outros que vinham de manhã e voltavam para suas casas à tarde.

Anos se passaram nessa rotina. Nada alterou-se nesse tempo, seu Quirino na cidade e João na fazenda, ambos trabalhando e executando os mesmos serviços, nada mudava.

Certo dia, em uma visita à fazenda, seu Quirino foi até ás proximidades da mata e viu que havia muitas árvores semi-cortadas que estavam secando. Perguntou para seu João que explicou que era obra dos ladrões de lenha que invadiam a mata durante a noite. Não tinha jeito, pegava um e aparecia outro. Foi então que seu Quirino resolveu cortar aquelas árvores, transforma-las em lenha e vender para quem quisesse comprar. Colocou o empregado da fazenda para fazer o serviço. Nelson cortava a lenha durante o dia e ia empilhando para fazer a contagem. Já haviam vários metros de lenha cortada, pronta para ser vendida, quando de repente começou a sumir toras. Mesmo vigiando e colocando cachorro brabo para tomar conta, os montes de toras iam sumindo. João já não sabia mais o que fazer. Foi até à cidade e relatou ao seu Quirino o sumiço da lenha cortada. O fazendeiro que não era homem de deixar barato, começou a investigar o roubo das toras de lenha. Pesquisou na periferia, nas proximidades da fazenda e depois de muitas investidas, descobriu uma pilha de toras e desconfiou. Chamou o dono da casa e indagou sobre a procedência da lenha. Este lhe dissera que comprou de um homem que por lá apareceu com uma carroça cheia de toras e acabou comprando, pois o preço estava muito bom.

Examinou bem as toras e constatou que eram aquelas que estavam sendo subtraídas das suas matas.

Tirou o chapéu, coçou a cabeça e foi para casa pensando. Aquele assunto ficou ruminando na sua cabeça o dia todo e à noite também. Não conseguindo dormir, tomou uma decisão:

Juntou 2 mais 2 e deduziu que só podia ser o João que estava vendendo a lenha escondido dele.

Tinha sentido, pois na fazenda existia a carroça, João nunca lhe pedia aumento de salário, como podia ele estar sempre de bom humor? Devia estar faturando algum por fora. Chegou na porteira que dava para a casa de seu empregado, que já estava com a carroça carregada com o leite e desabafou.

- Ô João, tem alguém vendendo a minha lenha e o safado está usando a carroça da fazenda, para transportar a lenha para a cidade. Você tem alguma coisa a me dizer?

Seu João, sério e honesto como era não podia admitir tamanha desconfiança. Além do mais ser chamado de ladrão, traindo a confiança do patrão para roubá-lo durante a noite, isso era demais.

- Seu Quirino, o sr. está desconfiando de mim?

- Ora, quem toma conta da carroça é você. Quem toma conta da lenha é você e ela está sendo vendida à noite por um carroceiro que só pode ser você. Está mais do que claro.

- Mas o Senhor não pode fazer uma coisa dessas, sempre fui honesto e trabalhador e sempre lhe dei prova de confiança. O sr não pode estar desconfiando de mim.

- Então me diga, João, como é que a lenha só some à noite e quem a vende usa uma carroça igual a essa? Se não é você, quem mais poderia ser?

- Não fui eu não, seu Quirino, Deus me livre de roubar alguma coisa de alguém sou homem honesto.

- Que honesto que nada. Na minha frente se mostra uma pessoa, por trás, me trai e me rouba. Vai confessar ou quer que eu chame a polícia?

- O Sr. teria coragem de fazer isso? Pergunta João.

- Claro seu ladrãozinho barato. Vai comer cadeia para aprender a roubar os outros pelas costas.

João Silva não agüentou mais ouvir uma palavra. Seu coração disparou e ele saiu correndo até ao porão de sua casa, pegou uma lata de formicida tatu, que usava para acabar com os formigueiros e encheu a boca do inseticida foi comendo e tomando água da bica, para descer mais rápido. Voltou muito agitado e seu Quirino que estava sobre a porteira, já havia descido com medo da reação do caboclo. Pensando: Se ele partir para cima de mim, vou ter que correr, mas acabo com ele. Mas João chegou perto e lhe disse olha seu Quirino o sr. pode até chamar a polícia, mas ela não vai me levar vivo não.

Como já era esperado seu Quirino foi afastando, afastando enquanto dizia, calma João, a gente pode conversar. – Não tem conversa não seu Quirino, agora é tarde. Por que não chama a sua polícia? Ao acabar de balbuciar essas palavras, ficou com uma cara esquisita, levou a mão no estômago e caiu estrebuchando nos pés do fazendeiro. Seu Quirino não sabia o que fazer, chamou o Nelson gritou com todo mundo, achava que João estava passando mal. Gritava sem parar:

- Socorre o homem aqui gente, ele está passando mal. Mas não adiantou Seu João já estava morrendo. Não tinha mais jeito.

Aparece, então o filho mais novo com a lata de formicida vazia.

– Ele tomou tudo que tinha nessa lata.

Neodo Ambrosio
Enviado por Neodo Ambrosio em 11/05/2012
Reeditado em 01/06/2012
Código do texto: T3662398
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