O Assalto

Subia a ladeira, sôfrego, mas resoluto. O velho tênis mordiscava-lhe o pé com uma de suas rachaduras. O frio o fazia tremelicar um pouco. Sentia-se mais nervoso a cada vez que colocava as mãos no volume sob a jaqueta. Um revólver.

Não, joão não era assaltante. Nunca fôra. Mas o que fazer, afinal? Estava sendo cobrado, por gente maior do que ele. Gente com quem não se brinca.

Colocou a mão no bolso, catou um cigarro, sentou-se na praça, começava a escurecer. As luzes amarelas da praça eram confortantes, quentes. Bonitas mesmo, deixou-se admitir. Ninguém na rua.

Esperava. Não sabia muito bem o quê – alguém que valesse a pena assaltar, talvez. Quem sabe apenas alguém para conversar, alguém que lhe dissesse para não fazer aquilo, que havia outra maneira, outra saída.

Bobagem. Sabia que não tinha outra escolha. Quem lhe emprestaria dinheiro? Quem lhe daria um tostão sequer? joão já não tinha crédito com ninguém mais.

Por instantes lembrou-se do pai, no hospital. A última vez que o vira ele ainda não acordara. Os médicos sempre diziam que ele podia acordar a qualquer momento, como também podia demorar anos, ou talvez nunca mais acordar. Já havia vários meses que ele estava em coma. Aquele que estava sobre a cama pouco lembrava o homem alegre que fôra seu pai.

Algumas mulheres aproximavam-se, tagarelando. joão espiou. Pareciam mulheres elegantes. Sentia-se nervoso. Não, naturalmente que joão não iria assaltar duas mulheres indefesas. E bonitas. Ele ainda tinha um resto de dignidade.

As mulheres passaram por joão falando mais baixo e olhando medrosamente para o outro lado da rua. joão deixou-se observar as nádegas empinadas das duas mulheres enquanto se afastavam. Não teve coragem de assaltá-las.

Jogou o toco do cigarro fora, acendeu mais um. Era preciso ter calma, simplesmente. Sentia a fumaça na boca, quente, cremosa. Expelia a fumaça para o alto, em pequenas golfadas, observando-a lentamente desaparecer, misturar-se tão bem ao ar ao ponto de ficar imperceptível.

Olhou para o fim da ladeira, um vulto se movimentava, lento. Um velho, observou logo, caminhando dificultosamente com uma bengala. Foi aproximando-se da luz, joão pôde ver seu cabelo muito alvo, o rosto benevolente, as mãos trêmulas. As lágrimas correram dos olhos de joão, não podia assaltar aquele senhor, era antiético. Veja, era como se fosse o avô que ele nunca teve. Do jeito que ele sempre imaginou que seria quando era criança. Vinha ele, lentamente, passou por joão, disse um “boa noite” caridoso e prosseguiu sua caminhada.

Esperou. Talvez o próximo fosse alguém que pudesse assaltar sem sentir remorsos.

Viu a próxima pessoa que vinha. Era exatamente quem ele esperava. Um homem alto, moreno, forte, com uma camisa listrada. joão levantou-se, tenso, e caminhou rapidamente em sua direção.

Mas o homem estava acompanhado. Puxava pela mão uma pequena garotinha de uns quatro anos, cabelos muito morenos e bonitos.

Como assaltar o homem com a menina? Definitivamente não, era algo que ele jamais faria, a menina ficaria completamente desesperada. Durante o resto de sua vida ela se lembraria daquele dia em que estava passeando com o pai, e foram assaltados por um homem sem nenhuma piedade.

Passou pelos dois, sentou-se no meio fio. Precisava tomar uma atitude. Precisava do dinheiro para o dia seguinte, se continuasse daquele jeito ele não conseguiria, e no outro dia a essa hora já estaria morto.

Levantou-se, caminhou de volta à praça. Preciso do dinheiro, pensou. Agora o primeiro que passasse iria ser assaltado, fosse quem fosse. joão precisava disso.

Demorou uns quinze minutos para que a próxima pessoa surgisse no fim da ladeira. joão tremeu. Parecia um homem. Olhou ansiosamente para tentar ver quem era, desviou o olhar e, ao olhar novamente para o homem que subia a ladeira, ficou surpreso – ela não estava mais lá. Assustou-se, mas logo o homem reapareceu de novo, estava amarrando o sapato.

Era jovem, bem apessoado. Tinha que ser agora, joão sabia. Não podia perder a oportunidade. Ficou sentado imóvel até o homem passar por ele, saltou do banco e o seguiu, de perto, o coração pulando no peito.

Ao passar sob num local mais escuro, sob uma árvore, decidiu-se – era a hora, não tinha mais como esperar. Teve medo de pegar o revólver, aproximou-se do homem, colocou o dedo firmemente nas costas dele anunciou:

- Isso é um assalto, mano! Vamo passa tudo o que tu tem aí, na manha, se não tu dança!

O homem assustou-se, levantou os braços, mas quando olhou rapidamente para trás e viu joão, seu rosto se desanuviou.

- joão!! Há quanto tempo, rapaz! Que susto você me deu! – e foi abraçando joão, como um amigo que não via há muito tempo. joão ficou perplexo, não se lembrava daquele rosto.

- Ué velho, não se lembra mais de mim? O Galho, rapaz!

O Galho, como poderia esquecer? O palhaço da turma nos tempos da escola, o saco de pancadas das meninas. Com quem tinha vivido grandes momentos no passado.

Falaram durante muito tempo. Galho tinha uma loja de produtos eletrônicos, dera-se bem, casou com a Débora, a musa da turma. joão não quis deixar transparecer a pobreza em que estava imerso, mentiu que era metalúrgico, não ganhava muito bem, mas dava para levar uma vida tranquila.

Despediram-se, Anacleto ainda disse:

- Se precisar de alguma coisa, é só chamar.

“Tudo bem”, respondeu joão. Mas sabia que não estava bem. Não era mais capaz de dar um grande grito, um basta. Era impossível, não podia assaltar, era fato. Correu, chorando para uma viela escura, pegou a arma, mirou na cabeça e . . . TLEC!

A arma estava sem balas.