Lolita e Carmencita
Jorge Luiz da Silva Alves




Festa estranha, gente esquisita: Carmen não estava legal, não aguentava mais birita, erva, ecstasy e abobrinhas. Mistura nociva; um rebu-de-gente querendo chapar, descontrair – embora uns poucos carregassem o trabalho e suas disputas, e outros tantos preocupados pelo óbvio carnal.


Olhou para o celular. A mensagem cheia de ressentimento pela ausência encheu-a de remorso. Precisava escapar, enquanto ainda estava de pé.


Foi até ao grupinho da piscina e, afastando três alambiques humanos, puxou Dolores pelo braço: hora vencia p'rá mais das três da manhã, e logo Apolo despontaria por trás dos prédios, intimando aos mortais o retorno às refregas cotidianas.


Quase conseguira ligar o carro; fora impedida por Preboste, o anfitrião, que correra, num sorrisão devastador, não em busca dela mas de 'Lolita', babando o estofamento do carona. Sabe-se lá porquê, desde que saíram da firma para o casarão de Preboste Ramos, chefe do almoxarifado, sua amiga de tantos conselhos profissionais e inúmeras furadas pessoais era a alma daquele 'happy hour', era sexta-feira...fora ela quem enchera a paciência do Preboste desde cedo para 'derrubar canaviais' naquela noite, garantindo companhias agradáveis de vários setores da firma (maioria estagiárias e serviços gerais, que topava tudo). E assim foi. 'Carmencita' duvidava que, com aquela cauinagem, os comensais sobreviveriam o restante do fim de semana, inclusive ela, balbuciando infrutíferas explicações para o anfitrião, querendo-porque-querendo a presença de Dolores mesmo desmaiada, na ferveção do palacete. E pensou seriamente em deixá-la: acabaria com seu relacionamento, por causa de sua amizade com criatura tão largada na vida. Houve um tempo em que pareciam duas líderes-de-torcida, indo onde nenhuma mulher jamais imaginara, nem mesmo no mais profano Thelma & Louise com um Ridley Scott completamente tomado por um roteiro rodriguiano ou ubaldiano. Mas, como acontecera com os Beatles – o sonho acabou quando John achou Yoko - , Carmen encontrou Humbert: mas a Lolita da vez chamava-se Dolores, era sete anos mais velha que eles dois, mas vivia inventando perna p'rá bater no menor intervalo de intimidade mútua possível. No caso delas, Carmem tinha consciência dum estágio evolutivo, passo adiante; mas Dolores justificava seu temor de responsabilidades insistindo no complexo de 'moleca'. Humbert, educado, família burguesa e transbordante em diplomacia, relevava. Mas a coisa um dia passaria do limite. E lá ia a morena Carmen, com a loura babona da Dolores roncando no banco do carona, dormir mais uma vez na sua casa.


E Humbert estava no portão, aguardando as pinguças. Ou drogadas. Ou fosse o que fosse. Mas sempre com o fleugma de costume. Pegou Dolores no ombro feito sacolão de viagem Jean Paul Gautier – com cuidado e firmeza, enquanto Carmen acionava o portão da garagem. Minutos depois, Dolores no sono transgresso da vadiagem no quarto de hóspedes, discussão rolou solta entre o casal: começou alta na cozinha, foi para o quarto já mais titubeante e, no chuveiro, explodiu a saudade no contato de músculos e curvas, bícepes e nádegas, tapas, arranhões, línguas e labaredas.


Lá fora, a preamar lambia a areia, seduzida pela lua cheia.

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Carmen acordou, apalpou o lado oposto da cama: Humbert deveria estar preparando a traineira para o arrasto do sábado. Sentiu cheiro de café com nozes, espreguiçara-se na certeza de que Dolores já tomara rumo de casa ou então estava mergulhada nos almofadões do quarto de hóspedes. Põs o penhoar e viu da janela o seu tesouro preparando a rede e mais alguma outra coisa. Sacos de carvão?!


Olhou para a porta de acesso à praia e viu Dolores de biquini, espreguiçar-se gostosamente, sorrisão amigo e incoveniente no aviso fatídico, sereia-bruxa em cantoria:


- Convenci Humbert a chamar Preboste mais o povo de ontem para torrar o excedente aqui na praia!, te amo tanto, amiga...


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Jorge Luiz da Silva Alves
Enviado por Jorge Luiz da Silva Alves em 20/06/2012
Reeditado em 20/06/2012
Código do texto: T3733753
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