EU PERDI O BRASIL, ENVELHECI..

EU PERDI O BRASIL, ENVELHECI...

ENQUANTO os anos ora se arrastavam, ora se precipitavam em desvairada correria pela minha existência, eu não percebi que tudo mudava ao meu redor.

Corri em busca de melhores dias em outras paragens sem encontrar meu verdadeiro destino, e hoje me apercebo que perdi o Brasil.

Coisa de maluco mesmo, na minha juventude, o melhor que poderíamos fazer, era um concurso para o Banco do Brasil. Fiz o meu aos dezoito anos, futuro garantido diziam os meus, mas um câncer aos 24 anos me impediu de ir mais longe. Tudo bem, não tinha vocação mesmo para viver contando o dinheiro que os outros ganham honestamente ou não, como continuava viva, vamos às artes, que este sim, era um sonho infantil. Oh, estúpida lerdeza, ninguém vive de artes nesse país sem ter Q.I.(quem indique).Esperar morrer para ganhar dinheiro é coisa de artista mesmo, mas eu não tenho tanto tempo assim. Quando tinha saúde e força de vontade, não tive oportunidade, agora não tenho mais idade para alcançar o meu país que desponta no horizonte como glitter em saia de cigana.

Então, a angústia pega pesado. Ainda posso fazer tantas coisas, a cabeça cria, inventa, constrói, e muitas vezes o corpo não ajuda. Tanta profissão nova, bacana, a internet girando como mijão em fogueira, cada dia uma novidade, escola de graça, emprego sobrando, e eu aqui no meu cantinho remoendo a velhice. INSUPORTÁVEL! Ter que pintar o cabelo para parecer mais apresentável, fazer dieta, não comer sal, tomando comprimidos para isso e aquilo sem poder falhar e sem tomar cerveja é um saco! E as festas, então? Chegar de manhã e sem ressaca tomar um guaraná em pó sentir-se nova em folha, pronta pra noite seguinte... Saudades... De dançar até de manhã, de ser útil a alguém, de tomar sol na praia e bronzear o corpito “quase” perfeito, do vestidinho curto e das pernas longas que arrancavam suspiros... Saudades do meu interior, da escola de comércio. Tudo tão sem opção, mas tão bom.

De que me servem todos os dons?Eu sei fazer tanta coisa que até mesmo eu, duvido. Até hoje nunca encontrei nada difícil de aprender, entre as letras, as artes, a cultura popular ou erudita e tudo isso vai desaparecer embaixo de uma lápide triste, onde meu único filho escreverá: ”Mãe querida, saudades” e talvez um dia ou outro deixe escorrer uma lágrima. Depois de alguns dias, só uma doce lembrança ficará para meu filho, meu amor, meus netos e nora, que vai se esvaindo conforme os afazeres da vida ganhem espaço nos dias deles.

E se tiver outra vida? Será? Estou na fase de acreditar em tudo para não perder a esperança de reencontrar esse país do futuro chamado Brasil. Se tiver outra vida, é aqui que eu quero renascer. E vou estudar muito pra ser Geneticista, adoro essa palavra. Eu quero ser isso aí. Fazer gente! Virar gnomo de Deus, como são os de Papai Noel que fabricam presentes. Quem sabe até curar a humanidade, fechando a caixa de Pandora e colocando dentro de volta, todo mal que dela escapou! Ah, a esperança! Que maravilha essa virtude!Até me faz sonhar de novo como outrora.

Eu envelheci, perdi o brilho do meu país, mas agora bola pra frente, pensar no futuro, quando reencarnarei para estudar genética!Ah, mas tomara que tudo isso só aconteça, depois, mas bem depois da copa de 2014, das olimpíadas de 2016, da formatura de meu neto em 2026 e por aí vai...

Thereza Poesia -O anjo do cordel