GEADA NEGRA
 
O  dia 17 de julho de 1975 amanheceu nublado, depois começou uma chuvinha fina e muito gelada, diziam os mais velhos que era (geada negra), eu estava trabalhando neste dia junto com um tratorista, nossa função era ir a um canavial que ficava distante da sede coisa de meia hora de caminho, picar e trazer cana para tratar um lote de bezerros de desmama que ficava preso em uma mangueira.
   
No canavial tinha um colega cortando a cana e nós íamos com o trator e uma carreta buscar, chegando lá, posicionávamos a carreta do lado de um triturador (máquina de picar cana como a gente falava), desengatava a carreta e engatava o trator no triturador que o fazia funcionar e nós pegávamos feixes de cana e introduzia por uma boca para picar. Estava muito frio, não dava coragem de trabalhar mas, era preciso pois os animais precisavam comer, então tínhamos que enfrentar o frio e a chuva.
   
Lembro-me de ter amarrado um plástico como se fosse uma capa para proteger um pouco da chuva, mas quase nada ajudava pois tinha que abraçar os feixes de cana molhada que deixava-nos com a roupa toda molhada o frio era de doer, trabalhamos o dia todo assim.
   
A tarde o tempo limpou, isto é cessou a geada negra e saiu um solzinho e esse foi o sinal, o povo do campo sabia o que significava aquilo, (sinal de geada forte) e o que já esperávamos aconteceu. De madrugada a geada caiu em toda a região, ao amanhecer o gelo estava por toda parte principalmente nas áreas mais baixas.
   
No terreirão onde tinha montes de café que estava secando ficava coberto por lonas a noite, a água que tinha acumulado em cima pela chuva do dia anterior estava congelada.
 
O pessoal que trabalhava na colheita do café, nós e os que trabalhavam por volta da sede como tratoristas, carroceiros e diversos outros serviços, com os parcos agasalhos que possuíamos, não tínhamos ânimo para começar o trabalho, esperávamos que esquentasse um pouco. Também os tratores, nenhum funcionou naquela manhã, somente mais tarde quando o sol esquentou o dia de trabalho foi pegando seu ritmo costumeiro.
   
A partir deste momento foi se desenhando no horizonte, um cenário desolador, os cafezais, as pastagens já não eram mais verdes como antes, passaram a ter um tom acinzentado, como dizia o povo (foi pretejando tudo).
   
É claro que eu na época com apenas quatorze anos, não poderia avaliar a extensão do estrago causado pela geada, nem o quanto isso mudaria o curso da história de nossas vidas.
   
Este dia marcou o começo do fim da fazenda de café que meus irmãos, eu e muitos amigos fomos criados. Escapou apenas um lote de café mais velho que ficava numa parte mais alta, que a geada não queimou de todo, apenas (sapecou) como a gente dizia.
    
O restante toda a lavoura mais nova, não sobrou nada, era de cortar o coração ver aqueles cafezais antes verdes e tão bonitos que meu pai e outros colonos formaram agora estava tudo seco até a raiz.
   
Os cafeeiros foram todos cortados com trinta centímetros de altura para brotar. O tempo passou, parte da lavoura foi abandonada, dando lugar cada vez mais para o gado.
   
Famílias foram embora, nós também em 1982 mudamos para cidade, agora passado trinta e sete anos as vezes fico pensando, já passei por muito frio esse tempo todo, mas de uma coisa tenho certeza que o dia da (geada negra ) foi o dia que eu mais senti frio em toda minha vida.
João Batista Stabile
Enviado por João Batista Stabile em 10/07/2012
Reeditado em 19/11/2020
Código do texto: T3771163
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.