Se houvesse um meio de lembrar só as coisas boas eu certamente o faria. Mas a vida tem duas faces. Não sei separar a felicidade da tristeza. Assim sendo, registro o que me vem à mente sem fazer distinção. Guardo imagens doces e ternas, outras amargas e sofridas que ainda me entristecem.
     Na roça, as crianças participavam de tudo que acontecia. Era comum levá-las a velórios e enterros. A tenra idade nunca foi razão para que fossem poupadas dos dramas e angústias dos adultos.
     A vida era simples, sem preocupações com problemas psicológicos. Fui menina alegre, curiosa e falante. As amigas de mamãe, sempre me pediam ajuda para cuidar de crianças menores, regar plantas, tratar de galinhas, ajuntar lenha...
     Chiquinha  foi a pessoa que mais marcou essa época. Tinha menos de trinta anos e uma escadinha de filhos, sendo sua primogênita de minha idade. Moravam numa casa simples, o marido era lavrador, ela fiava lã e tecia por encomenda.
     Lembro-me bem de sua paixão por orquídeas –as quais chamava de parasita- seus olhos brilhavam quando o marido trazia-lhe da mata, um ramo florido. Era como se ganhasse joias caras.
     Um dia Chiquinha adoeceu. Sentia dores tão fortes que os chás não aliviavam. Agoniado, o marido buscou remédio, depois levou-a no doutor  lá da cidade. Tudo em vão, ela só  piorava.  Mal saia do quarto... Eu a visitava  todo dia. Levava  um prato diferente, frutas e água fresquinha da mina. Sentava-me no banquinho ao lado de sua cama. Queria ficar perto dela, esperar que sarasse para vê-la outra vez tecer, contar histórias, enquanto enrolava os novelos de lã.
      Ela não sarou... A cada dia mais pálida, seu rosto miúdo sumia  no travesseiro, entre os cabelos cacheados.  Os filhos amuados pela casa, pareciam se despedir. 
     Numa tarde, Chiquinha pousou-me os olhos e ajuntando forças balbuciou:
      —A parasita roxa deu flor...Apanha pra mim?
     —Vou agora buscar— Disse-lhe, prestativa.
     —Hoje não...
     No outro dia quando acordei, soube que a Chiquinha partira ao romper da aurora. Não me sai da memória o seu caixão todo coberto de um tecido roxo. O véu de renda lilás cobria-lhe o rosto. Seu semblante sereno...Ela parecia em paz...
     Sufoquei as lágrimas, fui até a árvore e apanhei sua orquídea. Retirei o véu, segurei suas mãozinhas frias e coloquei junto com o terço, a flor que tanto gostava. A dor não me deixou ficar ali.  Fui embora. Não quis ouvir o murchar da flor, nem sentir o apagar da vela.
     Essa perda ficou associada à cor do caixão, que dentro de um carro de bois, levou embora minha amiga  Chiquinha. 
     Não sei o motivo... Estranho é que nunca consegui usar nenhuma peça de roupa roxa. Nem  joias,  bijuterias, ou utensílios domésticos. Nada mesmo!

    Nesta cor eu só gosto de orquídeas.
                        


                       
                              
                             Dedico à Chiquinha, onde ela estiver...


       
O texto faz parte do Exercício Criativo, cujo tema é: "Para todo mal a cura" Acesse o link abaixo e leia os outros autores.
      

          http://encantodasletras.50webs.com/paratodomal.htm

 
Maria Mineira
Enviado por Maria Mineira em 27/07/2012
Reeditado em 28/07/2012
Código do texto: T3799494
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