A ÚLTIMA RONDA

Uma folha brilhava ensopada ao cair com a força daquela chuva insistente, que já durava mais de vinte minutos. Uma noite difícil para o policial Bernardo Gabriel que mesmo equipado contra o mau tempo não achava nada divertido andar pelas ruas molhadas à noite. Estava fazendo sua habitual e diária ronda noturna. Via sempre as mesmas casas, postes, sinais e também pessoas. Um casal sempre lhe chamava a atenção: por diversas vezes os encontrava discutindo em voz alta. Não percebia direito sobre o que falavam, mas notava que o marido se alterava bastante.

Renato era costumeiramente calmo com todos, mas não o era com sua mulher. Era até engraçado, se perguntava por que tinha casado com Ana Lúcia, mulher que nunca deixava de responder quando se achava com a razão. Eles viviam felizes apesar das diárias discussões. Fazia tempo em que não chegavam à noite em casa discutindo. Renato ao chegar sempre reclamava daquela figura que sempre estava olhando para eles com certo ar reprovador. Dizia para Ana Lúcia: - por que sempre aquele Zé ninguém está ali quando brigamos? um guardinha de merda, fica sempre com essa cara nos espionando.

E os dias e as noites iam passando sem nenhuma novidade, sempre tranqüilos como sempre. Bernardo Gabriel estava meio desgostoso com sua rotina, se achava inútil, pois acreditava que sem ele por ali tudo continuaria na mesma paz de sempre. Eis que a noite daquele dia seria muito diferente. Estava a frente da casa daquele casal e tudo parecia acontecer como em todos os dias: o casal discutia ao entrar em casa... até que uma terceira pessoa apareceu e armado. Rendeu os dois e levou Ana Lúcia para os fundos, trancou a porta e deixou Renato do lado de fora. Ao mesmo tempo, Bernardo Gabriel que conhecia a casa muito bem(pelo menos por fora), deu a volta sem ser percebido por ninguém e conseguiu entrar arrombando uma janela dos fundos.

Ana Lúcia não se continha e gritava com seu agressor que ameaçava matá-la. Parecia mesmo querer castigá-la, pois não demonstrava querer roubar nada dali. Ele dizia que ela pagaria por ter tirado o sono dele por todos esses anos. Dizia que já fora apaixonado por ela e ao mesmo tempo a odiava por ter que conviver todos os dias com aquelas discussões do casal.

Bernardo Gabriel já conseguia vê-los de onde estava e sabia que precisava agir rápido, pois cada vez mais acreditava que realmente podia acontecer um assassinato. Já não pensava mais em sua segurança, mas em salvar aquela mulher, o que seria seu dever naquele momento. Não via outra forma de entrar ali naquele quarto senão pela única porta que ele possuia, já que este não tinha janelas. Sem se perguntar se daria tempo de não ser surpreendido, entrou rapidamente. Dois tiros então foram ouvidos. Estavam caídos e feridos ele e aquele intruso desconhecido. Cada um teria acertado o outro e mortalmente. Ana Lúcia chorava, gritando ao mesmo tempo que corria para abrir a porta para o marido. Renato via o agressor já morto no chão e em seguida um corpo ainda com alguns movimentos a alguns poucos metros de distância. Aquele rosto era conhecido. Sim, era aquele mesmo guarda de todos os dias que tinha agora salvado a vida de sua mulher. Chegou perto dele e perguntou: - sou extremamente agradecido pelo que fez, diga o que posso fazer por você. Bernardo Gabriel procurou encontrar suas últimas forças e respondeu: - Meus filhos, meus filhos, e essas foram suas últimas palavras. Renato descobriu que Bernardo Gabriel tinha deixado dois filhos que ficavam em casa com uma babá enquanto trabalhava. Teria ficado viúvo dois anos atrás. Renato que descobriu a pouco tempo que não podia ter filhos, o que fazia brigar com sua mulher quase que todos os dias, decidiu então se aproximar das duas crianças deixadas por Bernardo Gabriel. Não sabia se conseguiria a guarda daquelas crianças, mas tentaria o que fosse preciso, ou pelo menos as ajudaria financeiramente o quanto pudesse.

Frank Santos
Enviado por Frank Santos em 24/02/2007
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