Manuscrito achado na bolsa

Desculpe. Foi a única maneira. Escondi esta carta na sua bolsa porque sei da sua necessidade de bolsas, claro, você é universitário. Compreendo o seu susto ao deparar-se com este papel amarelado, mas acalme-se. É por isso que te escrevo.

O que você fazia no momento em que encontrou esta carta? Talvez estivesse distraído, procurando seus óculos ou seu dinheiro para pagar o lanche na panificadora. Você está sempre avoado ou impaciente! Semana passada te vi na rua, você andava rápido e nem reparou na andorinha lilás que cruzou o céu. Três meses atrás te flagrei mudando de calçadas e – por Deus! – você não parou para pular o jogo da amarelinha rabiscado no chão. Mas o cúmulo, meu amigo, foi há um ano. Sim, é por isso que te escrevo.

Ano passado, seu pai te deu aquele porta retratos com uma foto sua em criança. Eu vi: você olhou o retrato, sorriu um pouco convencido – talvez contente por já ter atravessado o lamaçal da infância – e esqueceu a foto num canto. Desculpe pela grosseria, mas infelizmente terei de te informar: o lamaçal é agora. Mas não, não é por isso que escrevo.

Escrevo essa carta para te contar que todas as vezes que você fechou os olhos sobre o travesseiro, záz, outro mundo se abriu, e você nunca se deu conta. Escrevo para te informar que os tropeções que você levou na escada, a vida inteira, serviram para dilatar os golpes das suas veias. Escrevo urgentemente para te deixar ciente de que seus lençóis valem mais do que o seu dinheiro. Sacuda o lençol quando chegar em casa. Cabelos, cílios, moedas e preces vão cair no chão, é a história da sua vida. Escrevo de forma masoquista para te dizer que a vida é feita por dois rios. Um vem, outro volta.

Estou mais aliviada, escrevi quase tudo o que queria dizer. Só tem mais uma coisa. Se você não descobrir quem sou, na próxima vez que sair na rua, fique esperto e fuja com a sua bolsa.

Vanessa Bencz
Enviado por Vanessa Bencz em 02/03/2007
Código do texto: T398748