***CABOCLO E A CIDADE GRANDE***

Autor: José Gomes Paes

16/11/2012

Eu sinceramente não sei como vim parar aqui em Manaus, hoje acordei bem cedo para pensar. O que é que estou fazendo aqui? Porque estou passando por uma situação de miséria, eu, minha companheira e meus dois filhos André e Vicente.

Lá no interior, eu tinha minha casa na beira do rio com minhas criações, minhas plantações, o rio que me dava peixes, tinha de tudo e não faltava nada.

Aqui na cidade grande, estou na pindaíba, passando fome, morando alugado, sem trabalho e meus filhos sendo criado na rua, pedindo e buscando alimento no lixo.

O terreno que cheguei a comprar logo que cheguei aqui, nem é meu, apareceu um dono dizendo que a terra era sua e que eu tinha que sair imediatamente, porque senão ele iria tacar fogo no barraco que eu tinha construído. Não teve jeito, devido muitas pressões e ameaças, sair de lá. Consegui alugar este casebre, que quando chove temos que nos acocar num cantinho, mas vamos passando.

Emprego, não tenho uma profissão nem posso trabalhar no pesado, trabalho limpando quintal de casa em casa quando me arranjam. Minha companheira trabalha fazendo serviço de casa aqui e acolá quando aparece. No meu lugarzinho na beira do rio, cuidava da minha roça, das minhas galinhas, plantava muitas fruteiras, caçava e pescava para nos alimentar, comida era o que não faltava.

Os meus filhos, não consegui matricular, todo ano é a mesma coisa não tem vaga nas escolas que procuro, quando tem, dizem que está fora de idade. Coisa que era diferente lá no meu interior, havia uma escolhinha na vila e vinha uma professorinha da cidade toda à semana dava aula para os meninos, eles iam de canoa até a escola todo dia, aprendi muitas coisas com eles que a professorinha ensinava.

Já pedi ajuda das pessoas, mas tudo em vão. Aqui olham você com desconfiança pensam logo que você é um vagabundo, bandido, assaltante. A polícia não tira por menos, metem logo o cacete em você, se te encontram perambulando pela rua. Eles não têm respeito com as pessoas, um dia desses levaram o meu vizinho preso, só porque ele roubou um pacote de bolacha do supermercado do Japonês. Pois olha, lá no lugarzinho no meu interior, não tinha nada de violência, nem policial, os meus vizinhos me respeitavam, quando eu pegava peixes repartia com eles, quando torrava minha farinha fazia a mesma coisa e assim eles faziam a mesma coisa comigo, até o nosso trabalho era partilhado, a gente fazia “puxirum”, na derruba, capina, plantação e colheita.

Minha companheira reza todos os dias para melhorar, ela chora quando os meninos estão dormindo que até sinto pena dela. Ela foi que me incentivou a vir, talvez por influencia das amigas dela que vieram e se deram bem aqui na cidade, mas para nós deu tudo errado. Estou com saudade do meu lugarzinho, do meu casco, do meu remo, dos meus caniços de pesca, das minhas criações... Estou com saudade de tudo. Não suporto, de ver minha mulher e os meninos sofrendo. Vou voltar, vou arrumar o dinheiro da passagem, pegar o Barco e me mandar, tomara que meu irmão não tenha vendido o meu terreno. Adeus cidade grande prá nunca mais voltar.

FIM

José Gomes Paes
Enviado por José Gomes Paes em 17/11/2012
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