MEMÓRIAS DA TIPOGRAFIA III

Era o dia do aniversário de 31 anos de minha mãe Luiza - 25 de novembro de 1959. Eu, aos 13 anos, tinha ido à escola de manhã, porém não iria ao trabalho na tipografia porque preparava-me para uma prova de Matemática que seria aplicada no dia seguinte. Nessa época eu passava por um problema de adaptação no colégio. Era uma escola onde estudava a elite da cidade, portanto muito cara para meus pais, de poucas posses, e, naturalmente, eu não fora muito bem recebido. Meu pai Augusto, então gerente da tipografia, veio almoçar em casa na sua bicicleta Raleigh. Era um dia chuvoso e eu me lembro que ele usava um velho paletó cinza-azulado bastante úmido. Após o almoço meu pai volta ao trabalho e quando minha mãe preparava os ingredientes para uma galinhada para mais tarde, ouviu pelo rádio: "Um incêndio está consumindo a Livraria Kosmos" - era onde também funcionava a tipografia. Mamãe se desespera. Não havia televisão em minha casa e também não havia telefone. O que fazer? Esperar notícias com os ouvidos colados no rádio. Contou, depois, meu "velho" que do alto da avenida principal da cidade, onde também se situava lá embaixo a livraria, ele já vira a fumaça e as labaredas e acelerou as pedaladas. Chegando, saltou o muro dos fundos e arrebentou uma grande porta, que tinha inclusive um ferrolho, e adentrou ao recinto em chamas tentando afastar o que podia com uma alavanca, momento em que o telhado desabou e uma telha o acertou a cabeça ferindo-o. Infelizmente o que a tipografia tinha de mais importante era a "máquina automática Heidelberg de leque", a qual foi consumida pelas chamas. Meu pai e também o Rubão, gerente da loja, que corajosamente arrebentou as vitrines da loja e também feriu-se, foram considerados heróis, já que não havia corpo de bombeiros na época em nossa cidade. A famosa livraria havia completado seu cinquentenário em setembro daquele ano de 1959. Tinha sido toda reformada, mas um curto-circuito pôs fim em tudo. Por sorte ninguém mais se feriu até porque fechava-se o estabelecimento no horário do almoço e por isso não havia ninguém no local. Foi muito triste e traumático. Perdi o ano na escola e passamos algumas dificuldades, mas Deus é grande e tudo voltou ao normal já no ano seguinte. A livraria abriu suas portas, ainda que funcionando usando como balcões grandes caixotes revestidos de papel kraft, e pode atender seus clientes na venda de material escolar como de costume. A tipografia também aos poucos foi se recuperando tendo sido reformada a famosa Heidelberg, na qual me tornei o mais jovem impressor gráfico do Brasil, talvez do mundo, aos 13 anos.

AGOSTINHO PAGANINI
Enviado por AGOSTINHO PAGANINI em 27/12/2012
Reeditado em 27/02/2020
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