Um Conto de Natal

A noite era fria. "Se caísse neve seria ao menos bonito" - pensou a atípica figura do lado de fora do terminal rodoviário. Esse natal ele não iria para casa. A mãe, já idosa, teria que se contentar em vê-lo no carnaval, quando ele teria uma pequena folga do serviço e poderia viajar os mais de 800 km para ir vê-la. Ele estava quebrado. Sem dinheiro. Não participara do amigo secreto da firma justamente por não poder comprar o presente. A verdade é que ele só não estava passando fome ainda por causa do Vale Refeição. Andou pela rua barulhenta. "Quantos carros, meu Deus!" - pensou enquanto aproximava-se de um bar. Estava com fome e decidiu entrar e pedir um café. Ele ainda tinha vinte reais. Dava pra tomar um pingado e comer uma coxinha. Enquanto jantava a coxinha e o pingado, fazia planos para o próximo ano. Pensava em talvez mudar de casa. A umidade da casa atual mofou a maioria de suas poucas roupas. Agora ele tinha apenas um casaco para o frio... pensou em como seria legal ter um casaco melhor, ao invés deste, fedorento de suor e poeira. Pensou em comprar um cartão telefônico e ligar para a velha mãe, mas se o fizesse comprometeria o dinheiro da passagem pra casa, o que seria perigoso, pois os assaltos aumentam nessa época do ano. Contentou-se em pensar na amada mãezinha. Nos cabelos brancos, no colo quente e seguro. Como ele amava a velhinha. Ele faria de tudo para passar o natal com mãe. Ele queria ter tido mais sucesso na vida, para poder dar um fim de vida melhor para a mãe. Um misto de frustração e vergonha tomou conta de seus sentimentos. Ele precisava ir pra casa, dormir um pouco. Foi ao caixa, pagou os R$ 3,50 devidos, e dirigiu-se ao ponto de ônibus. No ônibus, enquanto seguia para casa, se distraiu com as luzes de natal. A cidade havia ficado bonita, quase mágica. Na cidade onde crescera não tinha essas luzes, havia apenas uma arvore enfeitada na praça central, onde seu pai - ainda vivo na época - o levava para passear. Boa época aquela. Naquela noite ele chorou por sua infância, por sua juventude mal conduzida, por sua mãe, por seu pai. No cantinho do ônibus, com a cara colada no vidro ele chorou.

12 horas antes...

O sol estava infernal. Ele estava apressado, pois ia viajar dentro de poucas horas. Ia finalmente ver a mãezinha. Mas antes foi ao centro da cidade para comprar alguns presentes. Ele estava com um bom dinheiro, que guardara o ano inteiro, visando viajar folgadamente no natal. Era o que pretendia até ver a coisa mais deslumbrante que vira em toda sua vida, ali na vitrine da loja, bem a sua frente. Ele havia sonhado com aquilo há tanto tempo e hoje ele poderia finalmente realizar. Entrou na loja obstinadamente decidido. Ele sabia o que queria e estava disposto a pagar o preço. Vinte minutos depois ele saiu da loja satisfeito e ansioso para chegar em casa. Afinal ele acabara de comprar, à vista, uma TV LCD de 32 polegadas.

Elizaphe

17-02-2012