Moysés e a travessia do rio Vermelho

Quando o Jesuíno resolveu se casar, nós fizemos sua despedida de solteiro lá no sítio do Romeu, às margens do córrego que passava nos fundos da propriedade, conhecido como rio Vermelho. Era uma manhã fria do começo de junho, e tratamos logo de deixar o noivo só de cueca amarrado a um tronco. Virava mexia ia alguém pra lhe fazer beber um trago da cachaça do alambique – e lá pelo décimo trago o Jesuíno já tava roendo com os próprios dentes a corda que o amarrava, totalmente doidão.

Armamos então uma pelada, e logo no primeiro lance o Buiú meteu um bicudo na bola mandando-a pra outra margem do rio. E o Vermelho por ali só se atravessava a nado – tá certo que numas poucas braçadas se chegava no lado de lá, mas era fundo de maneira a não dar pé pra nenhum de nós. E cair na água com aquele frio... ninguém ainda estava bêbado o suficiente para cometer essa loucura, a não ser o Jesuíno – mas daí a gente teria que desamarrá-lo, o que, pelo menos por aquela hora, não fazia parte dos nossos planos.

Diante do titubeio geral, o Moysés apanhou um galho seco do chão e, chegando perto do rio, falou:

_Bem que eu podia fazer jus ao meu nome – e esticando o braço ergueu o galho mais alto que sua cabeça, como que invocando as forças da natureza. Porém, o único movimento das águas que vi foi o provocado pelo vento frio que soprava, fazendo aquelas ondinhas em sua superfície.

Cheguei perto dele e, dando-lhe um empurrão, tomei o galho de sua mão e o joguei longe:

_Só você mesmo pra inventar uma merda dessas – disse, dando uma boa risada.

Aquele episódio me marcou profundamente. Sempre que penso no meu saudoso amigo Moysés, não posso deixar de lembrar do dia em que ele quis abrir as águas do rio Vermelho com a força do seu “cajado”.

Acontece que dia desses o Romeu me chamou para ir lá no seu sítio apanhar umas poncãs. E fomos. Devia fazer uns vinte anos que eu não chegava perto do rio Vermelho, o rio que presenciou tantas das maluquices da nossa juventude. Mas quando me aproximei dele, tive uma decepção tenebrosa: à minha frente surgiu um corregozinho, um filete de água passando entre imensos bancos de terra. Em volta dali não se via mais aquele mata de antigamente, só alguns velhos e pálidos eucaliptos deformados. O pasto chegara até as margens, trazendo com ele uma avassaladora erosão.

Vislumbrei aquela paisagem medonha com o meu mais triste olhar. Numa simples passada atravessei de um lado para o outro do outrora intransponível rio Vermelho. E pro nosso desgosto, meu caro Moysés, nem precisei da intervenção miraculosa do seu cajado...