A CASA DE JOÃO E RAQUEL

João e Raquel se casaram. E compraram um terreno. E construíram uma casa.
A casa era quarto, sala, cozinha e banheiro. João trabalhava para enfeitar a casa. Raquel limpava os cômodos.
À noite, os dois deitavam na cama de casal e sonhavam.
Passou um tempo, nasceu Artur. João comprou um berço. No quarto, a cama do casal e um berço. Depois o berço foi trocado por uma cama de solteiro. Até que nasceu Joana.
João resolveu construir mais um quarto. No quarto novo, colocou a cama de Artur, que demorou a se acostumar e reclamava da ausência dos pais, do escuro, dos sons assustadores da rua.
Joana cresceu um pouco mais e nasceu Ana Maria. E lá foi Joana fazer companhia a Artur. E nasceu Pedro. E nasceu Ester. E João construiu mais um quarto.
O médico ligou as trompas de Raquel. João adoeceu. Artur, o mais velho, tomou para si a obrigação de ajudar. Foi vender verduras na feira. Foi engraxar sapatos. Foi vender picolé.
João ficou são de novo. Artur voltou a estudar, mas não queria deixar de ganhar o seu dinheiro, para ajudar a mãe, para comprar algumas coisas que gostava, para ir ao cinema ver filme do Giuliano Gemma.
As crianças cresciam e João e Raquel envelheciam.
Artur conheceu Ana Cristina. Começou a namorar, a se sentir mais homem. Ana Cristina dormiu com Artur uma noite, outra noite e outra. Uma tarde chegou para ele e disse achar que estava grávida. De fato, estava.
Artur falou a João. João falou a Raquel, que reclamou, bateu o pé. O menino era tão novo e já seria pai.
Os pais de Ana Cristina correram a pobre moça de casa. E João chamou Artur e ambos construíram mais um quarto.
Nasceu Adriana e iluminou a vida de João e Raquel.
Joana começou a ter enjôo. Fez exame. Estava grávida. Mas Joana não teve a mesma sorte de Ana Cristina e seu namorado sumiu no trecho e nunca mais apareceu.
João, com ajuda de Artur e Pedro, construiu mais um quarto. E Luisinho foi tão amado quanto Adriana.
Ester se casou. Saiu de casa bem casada para alegria, com pinceladas de tristeza, de João e de Raquel. Sandoval era um bom genro. Não bebia, não fumava, era membro da igreja, conhecia quase todos os padres da cidade. Ester engravidou: o terceiro neto viria. Mas a vida não quis. Ester morreu atropelada por um caminhão. E Sandoval passou a culpar Deus por sua tragédia. E, em seus dias de dissolução, encontrou apoio na casa de João e Raquel. Um dia, viajou e nunca mais mandou notícias.
Artur, depois de muito trabalho, conseguiu comprar um terreno próximo à casa de seus pais. Nasceu seu segundo filho, Arturzinho. Com sua saída, a casa começou a ficar grande demais.
Joana conheceu Hamilton, um advogado bem afeiçoado, conceituado nos meios jurídicos da cidade. E logo ela também se foi.
Ana Maria arrumou um bom emprego no centro da cidade e teve de se mudar.
João e Raquel envelheciam, mas tinham a sensação de dever cumprido.
Só Pedro era estranho. Só Pedro não parecia preparado para a vida. Ele só queria farra. Só sabia de confusão. Uma dia, bêbado, ameaçou o pai, acusando o velho de não lhe dar atenção. Raquel interveio, disse que não era verdade, que ele, Pedro, era tão amado quanto os outros. Mas Pedro não acreditou. E bateu no seu velho pai, como quem espanca um animal. E empurrou sua mãe, que se machucou na queda.
A polícia, chamada por vizinhos, veio e prendeu o bêbado rapaz. Na cadeia, Pedro não melhorou, alimentou vingança, mas, antes que pudesse fazer o seu mal, foi ferido a faca em um dos bares da cidade.
Sós na casa grande, João e Raquel tentaram suportar a mais essa tragédia.
Ana Maria vinha sempre visitar seus pais. Joana se mudou de cidade e se esquecia de ligar. Artur vivia ocupado demais cuidando de sua loja de materiais para construção. E assim, com alguma mágoa, primeiro Raquel, depois João, adoeceram.
A casa cada vez maior. Os dias mais e mais longos. O tempo frio ou quente demais.
A casa precisa de reforma. As paredes estão sujas, o telhado está cheio de goteiras. Mas ainda dá para vender.
Ana Maria não casou: cuida dos pais, seus mais queridos bens. E o tempo corrói a casa de João e Raquel, mas não destrói o sentimento que, um dia, os uniu.