Namoro sem sexo

Hoje acordei com uma vontade danada de escrever sobre a remela e o que ela diz sobre quem a produz, mas depois de pensar muito digo o seguinte:

Namoro sem sexo

Quando começou parecia que não chegaria a lugar algum, depois passei a acreditar e já entendia que o hálito é um importante indicador de humor. O tempo foi passando e a temperatura da pele passou a sobrepor a necessidade que eu tinha de ficar olhando por horas o pentear dos cabelos. Com isso, descobri coisas importantes no relacionamento que são desconsideradas, por dias fiquei pensando em como cortava as unhas. Sem aviso, surpreendi com o pé na cadeira e uma faca de mesa enfiada na unha e com um sorriso me disse, estou limpando! E com um sorriso retribui e achei engraçado, mais tarde usei a faca para cortar meu bife.

Hoje, depois de longa convivência, sei só de olhar se está com frio ou se sente algum desconforto causado pela variação do clima. Sei também o que esta pensando pelo modo em que caminha, a postura da cabeça me diz o nível de comprometimento e o quanto se concentra, sei o que é capaz de acordo com o cheiro do suor e pela coloração das pintas na pele sei que tipo de alimento precisa ingerir.

Conheço o movimento das mãos e cada calo do pé, incluindo o cheiro das meias e o modo em que envolve o corpo com a toalha, muito embora, o tempo do banho e a cor da toalha tenham influência direta. Vez mostra os joelhos, vez prefere escondê-los, adoro quando os esconde. Sei que de propósito deixa as coisas desarrumadas, pois sabe que arrumarei só pra receber um elogio ou um carinho. Diz o tempo todo que não se importa comigo, mas tem sempre um prato esperando por mim na geladeira, cuidadosamente estão dispostos os componentes, as vargens ficam na posição transversal de modo que as rodelas de tomates vermelhos saltam as bordas para dar lugar ao quiabo preparado em grandes pedaços.

O modo em que arruma o cabelo me diz se tem ou não caspas. Fica em silêncio por dois motivos, se não sabe a resposta ou se o que tem a dizer pode me agradar o que depois é logo revelado. Não poderia me furtar de falar da língua, algumas vezes a vi presa entre os dentes, porém outras tantas a vi solta e escorregava em saliva esperando o ovo mexido com pimenta bode.

Por vezes, finge desinteresse nas coisas que digo, mas se espicha, rebola e faz até divida para me atender. Troca a lâmpada do quarto, troca meu lençol e com o guarda-chuva na mão me avisa que vai chover. Sei que tive meu sono velado enquanto numa cadeira a meia luz, limpava o nariz e espremia as bolinhas de meleca entre os dedos, depois cautelosamente fecha a janela, me passa a mão na testa e sai em ponta de pé.

Noutro dia nos sentamos, frente a frente a nossa frente duas canecas com café, pão com manteiga e guardanapos de papel, olhei deliberadamente seus olhos negros, eles denunciavam longo período de sono diurno de modo que por um descuido, havia ali, num dos cantos, próximo ao nariz uma grande quantidade de remela amarela, estendi a mão e com o dedo a retirei. Fiquei com esse produto na ponta do dedo, depois o apertei levemente e a textura era agradável, pensei qual seria o sabor? Titubeie em degustar, mas logo entendi que tal ato poderia ser uma bela prova de amor, pois namoro sem remela não é namoro e também que de acordo com o sabor poderia saber como foi o sono, se densa e doce, sono leve e tranqüilo, se densa e amarga, tumultuado e com pesadelos.

Disfarcei, escondi a mão, falei qualquer coisa e logo agarrei o pão com manteiga fazendo questão de lamber o dedo sujo com manteiga.

Sidi Leite
Enviado por Sidi Leite em 05/02/2013
Código do texto: T4125087
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