Simão e a Felicidade

Após três longos anos de peregrinação, o jovem Simão encontrava-se ao pé do mais magnífico e mais famoso dos Templos, ao pé das grandes montanhas. Incrível como que após tanto tempo como andarilho, aos trapos, passando fome, sentindo na pele a miséria e o frio, Simão caiu duro a poucos metros de seu destino final. Estava ali no chão afofado pela neve com seu corpo fraco que já mal sentia, mas com a alma forte como um touro. Touro não, dragão é mais apropriado. Melhor não, dragão não, chega a ser ainda mais inapropriado, já que eles não existem. Com a alma forte como… Talvez esse seja um dos muitos momentos que devemos dispensar a comparação e a metáfora, deixemos as figuras de linguagem para os linguistas. Com a alma forte, ponto.

Alguns dos monges mais baixo na hierarquia viram de longe o corpo de Simão prostrado, quase sem vida, aos portões do Templo. Os bons samaritanos levaram-no para dentro e cuidaram de suas feridas. Após alguns meses, já estava de pé e são novamente, pronto para agora cuidar de seu espírito. Afinal, era essa a sua missão final, sua jornada pessoal, tal qual a do alquimista Santiago: encontrar a felicidade. Épico, místico, esotérico, implausível? Sim, mas era algo tão real e íntimo para Simão que ele simplesmente ignorava o que os outros pensavam de sua incompreendida peregrinação. Pronto para questionar o monge-mor, Simão se assustou quando percebeu que quase nenhum dos monges falavam nenhuma língua além da sua natal. Isso não o abalaria, gastaria mais alguns meses aprendendo a para completar seu objetivo.

Após algum tempo e com algum esforço, o estrangeiro já conseguia se comunicar suficientemente bem para ter suas perguntas respondidas. Não foi difícil reservar a sala de reuniões, no ponto mais alto do Templo, com o monge mestre, pois Simão a esta altura já estava bem conhecido. Era a hora mais esperada de muitos anos, e a conversa durou muito tempo. Não se sabe exatamente como foi o decorrer da conversa para que o pupilo, ao fim, saísse do templo chutando baldes e falando palavras más. E que o mesmo, algumas semanas depois, voltasse arrependido dizendo que, enfim, entendera a mensagem. A versão mais aceita pelos moradores e recontada entre os aprendizes é a que o monge-mor conduzira da seguinte forma:

“Que fazes aqui, ó pequeno?”

“Atravessei desertos e matei cobras para descobrir por sua excelente sabedoria o segredo para a Felicidade”, respondera, gaguejando e engolindo palavras, Simão.

“Pois bem, o primeiro passo para a Felicidade é seres tu mesmo”

“Ser eu mesmo? Acho que posso fazer isso”, sussurrou o pupilo.

“O segundo passo”, disse o monge, “é não fazeres algo somente porque alguém mandaste fazeres”

“Sim, justo”

“Portanto, rapaz, não deves seres tu mesmo”

“Então porque vossa grandeza mo disseste que deveria ser eu mesmo?”, indagou, confuso, o jovem Simão.

“Porque, já que não deves fazer algo somente porque te disseram, deves ser a ti mesmo, já que mandei-lho não ser a ti mesmo”, respondeu o monge, tão calmo quanto o vento que soprava.

“Mas sendo assim, eu não devo ser eu mesmo, pois acabaste de me dizer que…”

“Terceiro passo”, atropelou o grão mestre as palavras do atordoado estrangeiro, “Ignore o segundo passo. Não importa se nos foi mandado ou não, há coisas que devemos fazer”

“Bom, a não ser que…”, disse Simão com a garganta seca, organizando os pensamentos já mais avulsos e perdidos do que ele mesmo quando entrara pela primeira vez no Templo, “a não ser que eu esteja ignorando esse passo exatamente porque o segundo passo me mandou. Em tese eu não deveria obedecer o terceiro passo porque, segundo o que você me disse antes, eu não devo obedecer somente porque me disseram”

“Exatamente”

“Exatamente o que? Exatamente o que?!”, gritava o coitado. “Tantos anos, tanto esforço pra ouvir do glorioso grão mestre de não sei das quantas essa filosofia barata? O que isso tudo era pra significar?”

Do lado de fora da sala onde estes se reuniam, os outros monge davam um sorriso no canto da boca. Ouvia-se, de longe, os berros, e sentia-se a revolta do atormentado. Ainda sereno, o monge mor dissera:

“O último passo, amigo, é ignorar todos esses conselhos. A não ser que…”

“Sei, a não ser que eu ignore esse também, o que voltaria a essa loucura toda”, disse por fim Simão, já de saída e bufando de raiva e desapontamento. Como já lhes foi narrado, o jovem foi-se embora do Templo furioso, mas voltou calmo e entendido com o monge. Ele entendera qual o segredo da Felicidade, no final das contas. Foi uma jornada pessoal, não me cabe explicar ao leitor. Mas você mesmo pode procurar esse segredo. Faça isso também, hoje mesmo, para saber o segredo para a Felicidade. Viva mais, saia mais, converse mais. Seja você mesmo. Não faça algo somente porque alguém mandou fazê-lo. Portanto…

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