Chapéu

Enquanto os demais temem a vasta e assustadora escuridão da noite e se retiram para dormir, ainda existem aqueles que, como bons apreciadores de uma bela obra de arte, escolhem por pousar seus olhares gelados e sem esperança sobre a majestosidade da pacífica e confortante escuridão da noite.

O que leva um ser humano a se tornar um apreciador de arte, no entanto, pode se dizer que é um mistério. Você pode ter uma taxa alta de indivíduos engravatados e cobertos de jóias caras que se dizem apreciadores, mas quantos são de verdade? Acontece que se entrarmos no casa de qualquer um encontraremos arte, mas é notável a diferença entre uma casa qualquer e a de um apreciador de arte, ou ao menos devemos dizer que é notável a diferença entre os assuntos de apreciadores e os demais indivíduos.

Mas ainda assim, é interessante e até divertido visualizar a variedade de estilos e mentalidades das pessoas que entram para ver uma exposição ou criam uma obra de arte. E se essa variedade já te impressionar, convido-lhe a admirar a variedade de apreciadores da noite.

Há aqueles que acreditem que existe um grande padrão psicológico entre essas pessoas, outros que digam que a noite é apreciada apenas por elementos ruins, outros que preferem não pensar nada.

Joseph, por exemplo, não pensava nada.

Não porque não havia nada para pensar, mas porque havia pensado muito. É doloroso tentar compreender o mundo, ainda mais com sua juventude prestes a ir embora, beirando o mundo adulto, às margens de decisões que eram ignoradas dia após dia.

Joseph costumava gostar dessa sensação, de poder dizer que fazia decisões melhores que as decisões dos adultos, que era mais inteligente, que era melhor. E talvez fosse, talvez seja, mas talvez os adultos apenas tenham sido massacrados demais pela sociedade para conseguirem continuar tomando as decisões corretas.

Seja qual for a resposta para o dilema, o Jovem já não mais sabia se estava cansado de ser o melhor ou se estava assustado por precisar ser o melhor. A zona de conforto estava se rompendo e ele podia até sentir o pesado das gravatas e dos cintos.

Estava se tornando o padrão do melhor que um ser humano poderia ser na visão de sua sociedade. Mas ele não queria isso.

No entanto, quando ele olhava para o celular em seu bolso e se depara com os pontinhos brilhantes indicando mais de seis horas, um leve sorriso se abria em seu rosto, pois sabia que em breve colocaria novamente seu coturno impermeável que deu muito duro para comprar, sua calça jeans velha caindo aos pedaços que tanto amava e suas luvas sem dedos que alguém lhe enviou pelo correio por engano.

Quando todos dormiam e temiam a presença da escuridão, dois rapazes de sua mesma idade chegavam nos telhados vizinhos e o esperavam para mais uma noite de espetáculos.

Eram dois rapazes completamente diferentes de Joseph, não tinham sua maturidade, intelectualidade e nem mesmo seu sentimentalismo, mas ele não ligava. Ele não pensava.

Terminava de amarrar o coturno e sentia os pensamentos mais leves. Abria a janela e sentia o vazio de sua consciência agora reinar. Andava pelos telhados e sentia um coração bater mais forte, mais preciso e muito mais calmo. Não pensava, sentia.

Mas acontece que nessa louca variedade de apreciadores da noite, um Velho colocava uma cadeira no terraço de seu apartamento, trajando sempre o mesmo casaco e sempre um chapéu diferente. Apenas sentava ali e olhava para o céu. Às vezes olhava para as casas e parecia mexer os lábios ao contar as luzes acessas naquele horário tão inconveniente.

Desde o primeiro dia que Joseph e seus pseudo-amigos saíram para andar ele reparou naquele curioso Senhor. Cada dia num horário diferente, cada dia com um chapéu diferente, cada dia com uma expressão diferente.

Seus amigos acharam correto então que nunca pulassem sobre o terraço daqueles apartamentos, assim quem sabe não arranjariam encrenca com seus pais, velhos tendiam a ser encrenqueiros muitas vezes.

Seria burrice para o Jovem, no entanto, pensar que o Velho nunca havia os visto em suas caminhadas noturnas. Mas ao terminar de criar o primeiro laço de pensamento, eliminava. Não pensava, mas dentro dele duvidava.

Certo dia, quando a Lua abria um grande sorriso, como o do gato de Cheshire, os jovens pulavam de um telhado pro outro, como de costume, mas Joseph não tirava os olhos da Lua. E num pulo descuidado acabou tropeçando em um dos fios da antena parabólica da Senhora Silva, caindo ferozmente num jardim que havia entre os dois telhados. Foi por conta desses descuidos de admirar a Lua que havia quebrado três unhas ao tentar se segurar num terraço e matado o senhor Bradley, um gentil gato da vizinhança.

O primeiro colega sussurrava do telhado "Droga, Joseph! As pessoas ainda nem se convenceram de que o Bradley foi atropelado e você já está se atrapalhando de novo?! Espero que não tenha caído em cima de nenhum bicho dessa vez!"

Olhou em volta, dolorido, se contorcendo, procurando uma forma de voltar aos telhados. Não por seus amigos, muito menos pelo imenso barulho que havia feito ao quase derrubar a imensa antena consigo, mas porque o tamanho dos prédios à sua volta o impediam de voltar a admirar sua amada Lua.

Levantou-se o mais rápido que podia e pulou em cima do primeiro latão de lixo com uma escada de incêndio próxima que achou. Mão pós mão, pé pós pé, numa velocidade talvez até maior do que quando caiu, chegando ao topo daquele prédio que ele nem sequer havia parado para reparar.

Quando pôs-se de pé logo percebeu que seus amigos haviam corrido. Olhou para o lado e lá estava o velho. O mesmo sobretudo, um chapéu completamente diferente dos outros.

"Ora essa! Depois de tanto tempo, veio me dizer um olá?" Disse o velho.

Joseph percebeu que seu cérebro havia começado a pensar e tentou cortar aquilo imediatamente. Virou-se de contas e preparou o pulo.

Inexplicável e tão impossível quanto possa parecer, ele sentiu que o Velho sorria mesmo quando já estava prestes a partir, sem explicação alguma.

Deu o impulso. Não o de pular, mas o de virar-se e atirar algumas palavras.

"Não gostaria de ser rude, Senhor, mas porque usa sempre um chapéu diferente e o mesmo sobretudo?"

O Velho levantou-se e, detrás da mureta que cercava as escadas pros andares inferiores, tirou uma outra cadeira e a abriu ao lado da sua.

Joseph aproximou-se gentilmente e sentou-se com um ar de mistério, sem tirar os olhos da cuidadosamente relaxada barba daquele velho.

"Meu Jovem, eu tenho este mesmo casaco desde que tinha sua idade. Meus pais imploravam pelo amor de Deus para que eu usasse qualquer outro casaco, mas a verdade é que eu o adorava! Mesmo quase fedendo de tanto que eu o usava. Diziam que não era elegante ou correto ficar usando a mesma roupa sempre, sabe? Mas este sobretudo sempre realizou sua função corretamente e com excelência, me aquecer e me manter confiante. E, veja bem, se eu tenho um item que realiza suas funções de tal maneira, por qual motivo eu teria outro?"

Um silêncio reconfortante tomou o ar. Era tão gostoso ver a lua dali! Pena que tinha que ir logo, seus amigos já deviam quase estar em casa numa hora dessas.

"Mas, espera um pouco, isso não explica o Chapéu!"

"Ora essas! Eu amo um bom Chapéu! Enquanto amo apenas este sobretudo, amo todos os chapéis! Fico contente e me sinto bonito... Quem sabe até elegante em usar uma variedade de Chapéus ilimitada! É por isso, inclusive, que faço meus próprios chapéus!"

Joseph sorriu.

E sorriu pensando. Pensando que talvez tivesse encontrado a resposta para seus pensamentos inquietos e responsáveis sobre a nova vida adulta nessa variedade interessantemente engraçada de apreciadores da noite. Não seguir o padrão.

Não era necessário ser o padrão de sucesso para ter sucesso! Foi por alguns instantes que Joseph viu, naquele Senhor, o sucesso.

Com um sorriso na cara, levantou-se e começou a caminhar em direção à borda.

"Fique a vontade de voltar mais vezes, meu Jovem! Traga seus amigos! É sempre bom ter companhia para observar este lindo espetáculo!"

Joseph sorriu.

E sorriu pensando.