Historieta

Uma vez, em criança, fui gravemente ofendida pelo meu irmão caçula.

- Sua descarada!, bradou, com o rostinho vermelho de raiva.

O xingamento me fora igual um tabefe no rosto. Como se tivesse me quebrado os dentes, tampei a boca, horrorizada, expondo com os olhos toda a minha surpresa.

Eu não sabia o que era ser uma descarada; talvez tivesse pegado algum brinquedo dele sem pedir e, por isso, eu era uma dessas. Mesmo desconhecendo o significado, ofendi-me profundamente. Descarada feriu porque era uma negação; o des tira a propriedade da cara, portanto, ele afirmava que eu não tinha cara. Ora, teria eu um buraco no lugar do rosto, com cérebro e veias pulsantes à tona?

- E tu é um gorducha!!!

Sim, a ofensa fora no feminino. Além de gordinho, eu o acusava de ser uma menina.

Suas mãozinhas foram até o topo da cabeça, talvez para conferir a ausência de lacinhos femininos. Toda a vermelhidão extravasou-se em lágrimas grossas, lágrimas de homenzinho ferido.

Exultante com o ultraje bem sucedido, bati o punho no peito e reafirmei-me como irmã mais velha. Mas...

...ele não parava de chorar, todo magoado. O desconsolo em sua plenitude. Eu o quebrara como menino e ele, em contrapartida, furava meu ego estufado. Afrouxei o peito e abracei sua cabecinha quente.

- Desculpa, pelamordedeus! Tu é meu irmãozinho lindo, meu prí­ncipe, o homem da minha vida. Não chora mais.

E foi acalmando-se.

- Tu não é descarada, mana.

- E tu não é gorducha.

Vanessa Bencz
Enviado por Vanessa Bencz em 15/03/2007
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