Do parto ao texto

A professora pediu a nós, crianças de dez anos, que escrevêssemos sobre nossas mães.

"Escrever sobre a minha mãe é muito, muito fácil", pensei. Por cinco ou seis minutos, rabisquei algumas linhas. Ficaram mais ou menos assim:

Minha mãe tem cabelo preto

Minha mãe é bonita

Minha mãe é grande

Minha mãe cozinha bem!

Terminada a obra, eu senti-me menos criança e mais poeta: um mito de olhos verdes e lápis na mão. Movida pela profunda curiosidade que geralmente leva as crianças a queimar o dedo, espiei a redação dos meus colegas.

Minha mãe é legal

Minha mãe tem uma pinta na bochecha

Minha mãe é igual meu pai

...

"Meus Deus! como a redação deles foi ficar tão parecida com a minha?"

As primeiras pregas de preocupação fincaram-se, tênues, na minha testa. Olhava indignada a minha obra prima, que agora não era nada mais do que letras tortas, tão iguais às dos outros.

"Calma, calma: vou apagar isso aqui e fazer de novo."

A borracha arrastou-se pela folha o bastante para que qualquer fiapo cinza de lápis desaparecesse. Sobraram apenas pegadas leves, evidência de que um dia alguém descreveu uma mãe sem graça ali. Empunhei novamente o lápis, mas agora sem sorrir. Pensei: talvez trabalhar sorrindo não seja para mim. Resolvi começar diferente:

"Eu tenho a mania de perguntar pra mamãe se ela gosta de mim. Ela sempre diz que sim. Eu desconfio, não sei porquê. Uma vez eu chorei e ela me abraçou. Ela disse: eu te amo! Eu te amo! Não chora. Aí nem chorei mais. Depois desse dia, toda vez que eu chorava ela dizia que me amava. Uma vez, quando ela brigou com o papai e chorou, eu falei: mamãe, eu te amo, não chora. Ela chorou ainda mais, só que desta vez, sorria ao mesmo tempo."

Levantei o texto na altura dos meus olhos e reli, cansada. É, estava bom. Só que desta vez eu me sentia mais criança e menos poeta. Talvez estivesse dizendo demais a verdade. Estava expondo para a professora uma intimidade minha e da mãe.

Mas isso aconteceria muitas vezes depois; ainda descobriria que escrever sem se expor não é escrever.

Tempos depois, minha mãe leu o texto. E eu voltei a falar: pára, mãe, te amo.

Vanessa Bencz
Enviado por Vanessa Bencz em 16/03/2007
Código do texto: T414675