Você se acredita imponente?

Um homem lia seu livro enquanto desfrutava uma grande caneca de café da famosa cafeteria. Casais se abraçavam e sonhavam nos bancos da praça, sob árvores que, aos poucos, se rendiam ao outono. Crianças corriam em torno de seus pais, gritando e sorrindo. A vida acontecia.

Dali de cima só podia-se ouvir as enfurecidas buzinas de carros que reclamavam do caótico transito que, parado, atrasava os planos de muitos. E só podia-se ver o azul céu que começava a ser coberto por cinzas e pesadas nuvens.

- Sente-se. Vamos continuar nossa conversa. - O elegante senhor entrava na sala e, sem desviar sua atenção da echarpe que ajeitava em torno do pescoço, saudava o jovem postado em frente à janela do escritório.

- Não quero deitar. Estou bem de pé. Esse divã estraga um pouco a conversa. - O jovem olhava pela janela como se pudesse ver algo a quilômetros de distância. Como se seu corpo estivesse à quilômetros de distância.

- Como quiser. Importa-se se eu me sentar? Meus joelhos começam a me desapontar.

- Claro. Fique a vontade “doc”. - A menção de fragilidade do doutor fez com que sua mente voltasse para a sala. Nunca havia visto o sábio senhor como a um igual, como a um ser humano. Aquele senhor era, para ele, alguém maior do que a fragilidade.

- Você parece cansado. Distante. Isso, devo dizer, é algo corriqueiro, mas hoje você está diferente. Sua mente tem um destino. Não aqui, não hoje, mas tem um destino.

- Sei lá... Hoje eu acordei me sentindo estranho. Faz tempo que não me sinto assim...

- E como você está se sentindo?

- Sei lá... - Seus olhos voltaram a mirrar algo além daquele dos prédios que, imponentes, enfeitavam a vista.

- Bom. Pelo visto você não foi trabalhar hoje. Não está com o paletó e o cinto de costume.

- Não. Decidi que não precisava trabalhar hoje. Desliguei o celular e resolvi ir ao shopping. - O jovem afastou-se da janela e começou a apreciar a coleção de livros que enchia uma das paredes do escritório.

- Shopping?

- Sim. Aquele lugar me dá a falsa impressão de conforto. Mesmo que eu nunca compre nada. Mesmo que eu não fale. Apenas andar por seus corredores me confortam.

- Ouvir a multidão, estar em meio a todos, ver os rostos e suas expressões fazem com que você saia da solidão de seu mundo. Te põe em meio a algo social. Te tira a solidão por alguns momentos. Essa é a falsa felicidade que te conforta.

- E o que isso faz de mim? Um drogado? Sou viciado em multidões? - Seu tom de voz mudou levemente. Quase um deboche. Mas seu rosto continuava inexpressivo.

- Não. Isso faz de você um solitário. Alguém que, desesperadamente, precisa estar com alguém. Mas, não como eu. Você não precisa de mais uma pessoa obrigada a estar ao seu lado. Você precisa de alguém que queira estar ao seu lado pelo simples prazer de sua companhia.

- Solitário? Você precisa me visitar no trabalho doc! O que eu mais tenho é companhia. Centenas de puxa-sacos me cercam todo dia. Não consigo fugir deles. - Encontrou um exemplar de Lovecraft e começou a folheá-lo sem ler.

- O que você faz além do trabalho? Existe uma versão humana de você?

- Versão humana? - Um sorriso gélido brotou, contrastando com o olhar vago. - Acho que não... Meu trabalho é basicamente tudo que tenho, sou e faço. Eu vou todos os dias à academia. Mas apenas para manter essa falsa imponência.

- Imponência? Você se acredita imponente?

Um momento de silêncio se formou. Quem entrasse naquele momento podia facilmente crer-se vendo uma foto. O livro pousava inerte nas mãos do jovem que pensava. Imaginava. Refletia. Era imponente! Suas roupas, seu cabelo, o que fazia e até o que falava serviam para garantir tal característica.

Como poderia aquele senhor não reconhecer isso? Será que suas atitudes mudaram? Será que só haviam mudado dentro daquele escritório? Será que o mundo ainda o via com o respeito a que estava acostumado? Sempre fora assim?

Não. Houve uma época em que ele era apenas mais um estúpido jovem sonhador. Apenas mais um idiota que se achava capaz de mudar um mundo apodrecido por si próprio. Já havia sorrido o sorriso dos inocentes, já havia dormido como um ignorante sonhador. Mas, agora era diferente. Agora ele era imponente!

Mas, quando que o errante jovem morreu para se tornar o que é hoje? Quando seus sonhos foram enterrados?

-- FIM --

Se você leu até aqui, obrigado. Você pode não saber o quão bom é ter alguém para ler os devaneios de um "escritor". Se possível, deixe sua opinião nos comentários (principalmente críticas! Eu amo críticas ^^)!