FIM DE JOGO

Quando o homem de preto olhou para o relógio, botou o apito na boca, puxou todo ar que pode apitou com toda a força, o mundo pareceu parar. Jogadores se cumprimentaram, torcedores respiraram aliviados e comentaristas esportivos puderam soltar suas milhares de frases feitas tentando analisar o espetáculo que todos tinham acabado de assistir.

Mas o que passou batido, é que dessa vez, o homem de preto não era o árbitro e sim o juiz. Juiz mesmo, de toga com babados em branco e penteado à lá Luís XV.

O jogo foi bom. Emoção o tempo todo, chances para os dois lados, reviravoltas no placar, reclamações de ambas as partes e aquela coisa toda que o amante do esporte estava acostumado. E é “estava”, no passado, pois pior do que ninguém ter notado um juiz de direito fazendo as vezes de árbitro, foi o fato de aquele apito final não ter representado o fim do jogo em si, mas sim, o fim do futebol. A partir daquele domingo às 17h53, o futebol estava proibido na cidade. E ai de quem pensasse em desrespeitar.

Policiais foram instruídos a usar a força bruta em casos de desrespeito às novas regras e os poucos que tentaram infringi-las sentiram na pele do que estava se falando.

Alguns tentaram se arriscar em outros esportes, mas a altura média da população não era suficiente para a bola ao cesto, as ruas eram esburacadas demais para o atletismo, ninguém quis se arriscar a nadar no riacho infestado de piranhas e o povo era conservador ao extremo para aceitar quem resolvesse sair do armário para jogar vôlei.

O apito daquele domingo foi como um sopro que apagou a chama da população. A cidade parecia morta. Acabaram as discussões nos bares, acabou a gritaria de crianças nas ruas e a das velhinhas reclamando das vidraças quebradas. Acabou até o mau humor de segunda feira – o que seria bom, se não tivesse virado o mau humor da semana inteira.

As pessoas andavam nas ruas como zumbis, tristes, cabisbaixas. Os mais afetados começavam a pular na frente dos trens. Tudo ia de mal a pior quando um coco se desprendeu de um galho, caiu no chão e chegou rolando até os pés de um menino inocente que andava sem rumo por ali.

Do bar mais próximo, os homens viram a cena com brilho de esperança nos olhos, enquanto um policial correu para cima do menino que, com medo da surra que estava por vir, chutou o coco de lado, e correu para o outro. No bar os homens vibraram e o medo do menino rapidamente se transformou em entusiasmo. Empolgado, ele pisou no coco e chamou o policial para cima que, atordoado com a petulância do garoto nem percebeu o coco rolando por entre as suas pernas, enquanto o menino corria para controlar a fruta. No bar, os homens urravam de felicidade.

Logo chegaram outros policiais, que foram para cima do menino sem dó. Mas o jovenzinho não se intimidou e passou a driblar cada um deles, correndo de um lado para o outro sem nunca perder o controle do coco. Nesse momento não havia mais ninguém sentado no bar. Todos seguiam os policiais que, revoltados, seguiam o menino que os humilhava, também sem dó.

A empolgação do menino com a sequência de dribles desconcertantes foi tanta, que em um certo momento ele não se aguentou e chutou o coco com toda sua força. Segundos depois, ouviu-se o barulho do vitral da igreja se quebrando, um grito de dor do menino e o grito de gol dos homens do bar.

E enquanto comemorava o golaço e ao mesmo tempo sofria com a dor no pé, o menino finalmente foi pego por um dos policiais. Logo chegaram os outros que, cheios de raiva, começaram a espanca-lo ali mesmo. Os homens, ainda entusiasmados com o espetáculo que tinham acabado de assistir, nem ameaçaram intervir.

O menino foi levado para a delegacia e nunca mais se ouviu notícias a seu respeito. Alguns dizem que foi espancado até a morte enquanto a população inteira ainda comemorava o gol.

Morreu o menino, mas a cidade voltou a viver.