Nesta época festiva, é importante reconhecer o amor, sejam quais forem as suas vestimentas.
Boa Páscoa a todos! Abraços!




GENOVEVA

Genoveva vivia só, na altivez dos seus setenta e dois anos. Nunca se lhe conheceu companheiro, marido ou não. Ao fim de muitos anos de vida solitária, comprara uma cadelinha cocker, a Lilica, de pelo castanho, que a acompanhava quando saía, ia às compras ou simplesmente num vulgar passeio pelas ruas. Ao contrário dos humanos, nunca discutiu com ela, nunca a traiu ou tratou mal. Tinha sempre um olhar meigo, pousando o focinho sobre a sua perna, pedindo-lhe um afago enquanto viam televisão. Um dia, a dona não se levantou da cama, não lhe deu de comer nem lhe mudou a água, não foi dar um passeio com ela. Ela uivou, ganiu, ladrou… No dia seguinte, o mesmo. Tudo se repetiu. E no outro e no outro. Os vizinhos estranhavam o barulho e foram à esquadra da Polícia alertar para a situação. Foi-lhes respondido que não podiam fazer nada sem uma ordem judicial, ou com um pedido da família. Mais dois dias se passaram, os uivos eram agora mais espaçados e ténues. Uma semana depois do primeiro alarme, devido à grande insistência dos vizinhos, pois não se conheciam parentes da senhora, os bombeiros compareceram junto à sua habitação e acompanhados de dois polícias, arrombaram a porta. Depararam-se-lhes os corpos sem vida da dona e da sua cadelinha. Houve um movimento geral da população que vivia na zona para que o funeral fosse condigno, quotizando-se para o seu pagamento, tendo sido acompanhado pela maior parte das pessoas que moravam na rua da defunta. A cadelinha foi enterrada no quintal do vizinho que habitava no rés-do-chão, comovido com toda esta situação.

FERREIRA ESTÊVÃO - Reedição