Caio e as Maçanetas

(Este conto faz parte de uma série de contos sobre minha viagem para os EUA, que também podem ser lidos no meu blog: www.viagemeua.blogspot.com)

A sensação de ter entrado em outro mundo quando se está em Big Sky é intensificada por algumas experiências sensoriais. Uma delas é sentir o quanto o ar é seco.

Nas duas primeiras semanas, boa parte dos intercambistas tem sangramentos do nariz. Hóspedes dos hotéis do resort têm consigo umidefiers, que são máquinas de vapor utilizadas para tornar o ambiente mais úmido. Toalhas de banho secam em menos de duas horas dentro de um quarto fechado. Tudo isso acontece em função da pouca umidade do ar.

Quase todo ambiente fechado tem o chão completamente coberto por tapetes fofos e felpudos. Andar nesses tapetes e estar cercado de ar seco leva a uma nova experiência sensorial: a de estar completamente carregado de eletrostática.

Quando se vai pentear o cabelo, ele levanta logo que aproximamos o pente da cabeça. Quando se vai dobrar um lençol, ele chegar a colar no corpo. Quando se vai dobrar um cobertor e ele se aproxima das pernas, tem-se a sensação de estar próximo de uma televisão recém desligada. Também se escuta um barulho de televisão recém desligada quado se vai tirar a roupa para tomar banho e se amassa uma camisa na mão.

As formas mais comuns de se livrar dessa eletrostática são duas: uma é descarregando-a nas maçanetas das portas e a outra é descarregando-a em outra pessoa. A segunda forma geralmente é a mais engraçada, pois duas pessoas levam um choque, um susto e depois levantam um questionamento perturbador, relevante e desafiador:

-Fui eu quem dei choque em você ou foi você quem deu choque em mim?

Na primeira semana, é engraçadíssimo tomar choque nas maçanetas. Eu ficava pensando em como seria contar para os brasileiros que eu morei num lugar onde se toma choque toda hora. Na segunda semana, já não se acha mais tão divertida essa troca de energias entre um cidadão e uma porta. Na terceira semana, a cada choque tomado se pronuncia palavras que só se pode dizer em Português se não se quer perder o emprego.

Nosso amigo Caio teve uma relação muito tensa com as maçanetas. A cada vez que ele se aproximava de uma, ele ficava ansioso, já prevendo a sensação do choque na palma da mão. Ele chegava perto dela com cuidado e extendia sua mão vagarosamente, como se fosse possível tomar um choque menos doloroso dessa forma.

Caio resolveu usar luvas para escapar desse sofrimento. A cada dia que passava, ele odiava e temia cada vez mais aquelas maçanetas. Só depois de abrir muitas portas com as suas luvas, ele descobriu que as maçanetas são peças inofensivas e nada mal intencionadas. Elas têm, porém, a função ingrata de levar os elétrons acumulados nos nossos corpos ao chão. É preciso saber conviver com as maçanetas, pois elas estão em todos os lugares e exercem uma função importante na sociedade.

Fiquei muito triste por ele ter feito as pazes com elas no final. Gostaria de ter testemunhado o primeiro caso de maçanetofobia já registrado. Mais hilário ainda seria se ele sofresse de uma psicose e visse maçanetas se desprendendo das portas e vindo em sua direção para nunca deixá-lo em paz.

Caio, que é um estudante de administração, percebeu mais uma vez que conflitos levam ao aprendizado e ao crescimento. Não fosse sua viagem para os EUA e o seu breve desentendimento com as maçanetas locais, ele nunca pararia para pensar no valor das maçanetas brasileiras.

É importante lembrar que o Caio está em paz com as maçanetas, mas ele ainda tem uma relação distante com todas elas. Quando ele está com alguém, ele não abre nenhuma porta. Apenas espera que o seu companheiro as abra para ele.

Renan Oliveira
Enviado por Renan Oliveira em 22/03/2007
Código do texto: T421427