Santa Hipocrisia

Vejo e revejo tanta coisa. Sempre, mais do mesmo. Vendo, resolvi escrever, como se fosse ela, a Santa Hipocrisia, em pessoa, escrevendo.

"Acordei, li a Bíblia.

Vesti uma roupa bonita, para causar inveja nas minhas colegas de trabalho. Me olhei no espelho e menti para o meu reflexo, dizendo "maravilhosa!". Saí. No ônibus, vendo as pessoas que, até meses antes, eram semelhantes a mim, agora me dão nojo. Sim, agora, sou uma mulher bem-sucedida! Ah! Tudo isso só aumenta a minha 'vaidade'!

Cheguei ao trabalho... Encontrei minhas aliadas. Sim, aliadas, porque, "amigas", eu não tenho. Aliás, elas são muito inferiores à mim. Mas, agora que sou bem sucedida, preciso de aliadas. Elas são como cachorrinhos, que me lambem e me seguem a toda parte, sempre abanando o rabinho. Isso me irrita, às vezes, mas é um mal necessário...

Não é fácil a minha vida! Tenho que pensar em tudo sozinha... Consegui criar um plano para derrubar algumas pessoas das quais não gosto. Em específico, umazinha, da qual já não gostei desde o primeiro dia em que ela colocou os pés na empresa. Não sei. Acho que, talvez, eu quisesse ser como ela. Talvez... Talvez seja, mesmo, 'inveja'.

E quando abro meu e-mail? São tantos para responder... Às vezes tenho até saudades dos tempos em que era uma réles operadora. Só de pensar neles, me canso. Prefiro papear com as meninas. Esse lugar me dá uma 'preguiça'...

Ah Aquelazinha... Ela tem o dom de me irritar! Mas eu tenho que ser mais esperta, vou fazer de tudo para que ela mesma peça penico. É uma sonsa! Mas ela não me engana. Mais dia, menos dia, ela irá morder a isca! Só de imaginar, fico ansiosa. Ansiedade me dá fome. Lá pelas tantas da manhã, vou tomar um cafezinho. Como tudo o que estiver ao meu alcance! Afinal, agora eu posso, tenho dinheiro. Então, não coloco freios na 'gula'!

Falando em dinheiro... Meu filho veio me pedir dinheiro nessa manhã. Menino abusado! Não estuda, não faz nada em casa, e quer dinheiro! Quer comer na escola? Se vire! Peça para o pai! O dinheiro que eu ganho, é para as minhas bolsas, meus sapatos. As minhas cunhadas chamam isso de 'avareza'. Eu dou risada! Elas não sabem o que eu passo. Esse menino é terrível! Só sabe pedir. Pede dinheiro, pede atenção, vai mal na escola - e a culpa ainda é minha! Sempre explodo, não aguento. Esse moleque me tira do sério!

Essa 'ira' toda me lembra que estou estressada. Sabem como é, muito tempo sem homem. São todos iguais. Querem as novinhas, magrinhas... Eu, tenho que ficar me humilhando pra conseguir alguma coisa. Mas eu consigo tudo o que quero. Me insinuo, falo coisas baixas, eles não resistem. Eu sou assim, mesmo, pura 'luxúria', mulher de atitude!

Enfim, acabou o expediente. Peguei o ônibus vazio. Amo o meu horário de trabalho...

Em casa, mal cheguei, lá veio aquele moleque pentelho! Mas logo dei um jeito. Gritei com ele, que foi para o quarto, como sempre, com um pacote de bolachas na mão. Já está enorme de gordo, mas não perde a mania!

Fiz comida e, com o prato na mão, me sentei no sofá. Assisti todas as novelas. Me inspirei naquele galã, quando fui pro quarto. Aaaah... Fui para o banho. Saí e me vesti.

Li a Bíblia, e dormi."

Mas ela, a santa, não percebia o quanto seus atos contradiziam aquela imagem - que apenas ela tinha de si mesma. Era nítido! Todos aqueles, detendores de um olhar um pouco menos superficial, percebiam o esforço que ela fazia para parecer algo que nunca fora - uma santa.

Hipocrisia vivia presa dentro daquela imagem. Se imaginava perfeita, mas, na verdade, a sua pseudo santidade mais se assemelhava à um vestido apertado, feio de se ver e prestes a estourar.

Bem... E foi o que aconteceu. Num belo dia, o "vestido" da Hipocrisia estourou. Na verdade, aconteceu no sentido literal. A gula a fez engordar até o limite suportado pela frágil seda que a sua vaidade mandava vestir.

E foi esta mesma, a vaidade, a responsável pela libertação da Hipocrisia! Olhou-se no espelho e chorou. Deu-se conta do quanto era feia aquela imagem. Chorou. Sentiu vergonha. Depois, sentiu ainda mais vergonha, perante si mesma, por ter feito isso consigo própria. A troco de nada.

Resolveu mudar. Começou pelo nome.

Fernanda Bess
Enviado por Fernanda Bess em 12/04/2013
Reeditado em 12/04/2013
Código do texto: T4236668
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