Cabo de Guerra

O olhar perdido que ele fez ao desligar o celular dava margem para se imaginar um pouco do tudo que acontecera. O único fato concreto, entretanto era que algo ou alguém o teria deixado daquele jeito. Era ela. Desde o último final de semana, ele vinha tentando falar, marcar um encontro para desfazer o grande mal-entendido. Desta vez ela estava irredutível. Havia se cansado das mesmas estórias, as desculpas pensadas, ensaiadas, porém gastas. E logo desta vez que era verdade não conseguia fazê-la escutar.

Por várias vezes deixou recado na caixa-postal, em outras ela desligou e agora, desde ontem à noite, o aparelho “encontrava-se fora de cobertura ou desligado” como repetia a informação gravada do serviço de telefonia.

Foi quando naquela tarde, ele saindo do metrô, ouviu o toque do celular e mesmo não reconhecendo o número resolveu atender. Era ela.

- “Oi, sou eu. Tudo bom?”

Mesmo sem resposta pronta e nem querendo demonstrar alegria e surpresa limitou-se a responder:

- “Tudo bom? Estou bem e ...”

- “Nossa que semana. Fui assaltada, levaram meu celular, só hoje consegui comprar outro aparelho”.

Mentia. Ele sabia. Era com aquele mesmo tom de voz que ele contava o mar de estórias para ela.

- “Então, vamos nos ver qualquer hora dessas?”

Ensaiou ela.

- “Claro? Quando?”

Ele agora demonstrando ansiedade.

- “Ah, ainda não sei. A gente vai se falando e qualquer hora marcamos alguma coisa.”

Ela estava se vingando, pensou ele.

- “Tudo bem. Já estou com teu novo número, te ligo”.

Sabia que não adiantava insistir.

- “Isso vai ligando, qualquer hora, rola um encontro”.

E antes que ele pudesse falar algo, ela desligou. Por isso o ar perdido dele quando o vi próximo ao metrô. Sabia que não tinha como medir forças com ela, pois o cabo arrebentaria para o lado do mais fraco, que naquele momento era ele.

Wanda Recker

Wanda Recker
Enviado por Wanda Recker em 14/08/2005
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