Na taverna

Um jovem bebe cerveja numa mesa. Um senhor passa, nesse momento, à frente da taverna – onde é visto pelo moço.

- Mister Smith!

-Hein...

Smith volta os olhos na direção da voz e vê o rapaz se aproximar.

- Ah, és tu, menino William!

- Dê-me cá um abraço!

- Ai, cuidado, meu rapaz... Quase me deslocam os ossos!

-Não te julgavas tão fraco...

- Na verdade, me pareces mais forte.

- Passeando?

-Saindo por aí, sem destino.

- Pois, vens! Sentas-te comigo!

Reacomodam-se os dois na mesa onde William deixara há poucos minutos.

- A cerveja já acabou.

- Tudo bem... Garçom! Trazes-me um conhaque!

- Trazes dois, que também quero!

- E desde quando bebes conhaque?

- Nunca... Quero experimentar.

- Fazes mal, já estás bebendo...

- E todos não começam assim?

- Tu não és disso.

- Ah, chegaram.

- Saúde!

-Saúde!

William bebe tudo em um gole só. Smith bebe um gole, olhando espantado para o rapaz.

- Em um gole só? Estás louco!

- Garçom, mais dois!

- Mal terminei o meu.

- Então, só mais um copo.

- Começo agora a entender...

- Hein?

- Estás abatido.

- Não quero pensar nisso.

- Isso eu já sei.

- O quê?

- Que não pensas!

- É mesmo?

- Teu sarcasmo não me despista.

- Dizei-me então, mister Holmes.

- Smith, por favor.

- Não, Holmes. Sherlock Holmes.

- Melhor parar de beber.

- E desperdiçar um copo cheio?

- O conhaque já te domina?

- Há domínios piores que este.

- Sabes de algum?

- Eu vivo, eu sofro.

- Qual?

- A paixão.

- E o que a paixão te fez?

- Me jogou nos braços de uma caprichosa.

- E ela?

- Mulher rica. Esposa de um industrial.

- Formosa?

- A mais linda de toda a sociedade.

- Conservada?

- Ainda é jovem. Mas, se fosse mais velha, seria da mesma beleza.

- Ah, as mulheres belas... São demônios.

- Parece um anjo...

- Decaído.

- Como?

- Não passa de uma perdida.

- Dizes isto, mas nunca a vistes!

No calor do entusiasmo do seu discurso, William bate com força na mesa, chamando a atenção dos demais presentes. Smith segura o braço do rapaz apressadamente.

- Olha o que te dá o impulso!

- Peço desculpas.

- Se não me trincares os copos...

- Pagar-te-ei quantos quiseres.

Silêncio na mesa, o jovem entrega ao companheiro da mesa uma foto. O senhor a aprecia, rosto impassível.

- Então, é essa?

- O que achas?

- Já vi mais belas.

- Não creio.

- Tem postura de moça séria...

- Mas me ilude habilmente.

-... Que possui um homem só...

- Pois te garanto que não sou o único homem que lhe invade a alcova.

- Como sabes?

- Ela sempre me diz.

- Te diz?

- Sim... Que sou apenas uma criança... Que seus outros homens e até o estrupício do marido eram melhores... Palavras dela.

- E tu és um parvo, de ouvir e ainda procurar por ela!

- Não resisto ao seu corpo, seu cheiro...

- Devias lhe ser mais duro.

- Não consigo.

- Ser mais homem! Mulher dessas não merece que um homem lhe seja gentil...

- Queria ser mais forte, mister Smith! Afianço-te!

- Não mereces isto. Ela se quiser continuar na lama que criou ao seu redor, que se emporcalhe. Mas não te deixes adentrar neste lamaçal.

- Eu?

- Estás cego de desejo.

- Amor é a palavra correta.

- Ouça o que lhe digo: não é! É fogo de palha.

- Não me atrevo a discutir contigo.

- Porque sabes que estou certo, que sou teu amigo... Tu és moço ainda, tem porte, postura, um nome a zelar... Quando acabam teus estudos em Direito?

- Termino no final deste ano.

- E logo encontrará um lugar para trabalhar... E para firmares-te neste mundo.

- E ela?

- É esquecê-la... Ou melhor, desfrutá-la.

- Até quando?

- Até arrumares uma moça realmente digna de ti, que sirva para casar e te honrar.

- Falas isso tão calmamente...

- É a vida, menino. Aprende.

- E me caso...

- Então, vocês estarão quites.

- Perdão?

- Usarás a ela como estás sendo usado... Ela brinca contigo por saber que tu só tens a ela para satisfazer-te... Por isso te humilha.

- Sabe que sempre voltarei à sua cama.

- Então, tu me entendes o pensamento?

- Não sei...

- Esqueçamos isto. Vamos voltar às nossas bebidas. Falar de assuntos mais alegres!

- Garçom, uma nova rodada!

Duas horas, e mais rodadas de conhaque após, os dois companheiros de mesa de despedem.

Tomam direções opostas.

Smith olha William se afastar. Em sua mão esquerda, a foto da mulher adúltera, que o amante humilhado esquecera na mesa.

Ao ver o jovem dobrar a esquina, o senhor ergue a foto e, ato contínuo, rasga-a num golpe só. Lágrimas lhe escapam.

Enquanto anda para a sua casa, murmura:

- Ah, pequena estrela, a carne da minha carne... Eras meu orgulho, tornastes-te minha maior vergonha. Eras meu sorriso, transmutastes-te na vítima da minha moral. A honra, a honra! Maldita a honra que me faz ver- te mais culpada que os homens com quem te deitas. Que te renega na frente dos demais, mas que reservas no quarto escuro as lágrimas de um enlutado pai!

Seus passos trôpegos, vagarosamente, o levam para longe da taverna.

Thaís Soledade
Enviado por Thaís Soledade em 09/05/2013
Código do texto: T4281984
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