A cor da saudade EC

Saudade é caleidoscópio. Tem tantas cores...

O Verde das árvores da casa da infância, onde a gente subia e se espichada todo pra pegar aquela goiaba madurinha e pinicada pelo sanhaçu azul, ou a jabuticaba, a laranja, a banana da terra que a mãe fritava e depois polvilhava com açúcar e canela. Aquela velha frigideira de ferro que dormia sobre fogão de lenha junto com o bule de café e a chaleira de cabo de madeira queimado nos cantos. Alumínio tão areado que parecia de prata. Verde da horta molhada perfumada de coentro, de alecrim ou de hortelã . Cheiro de alface colhida. Do pé de maracujá que corria pela cerca. “Cuidado com os mandarovás, menino!”. Verde da parede do alpendre que sustentava a rede onde a gente se deitava nas domingueiras preguiçosas e muito frias, só pra se esquentar...

O Vermelho da saia de chita enfeitada com sinhaninha para as festas de São João, do tiê-sangue cantando na embaúba que crescia às margens do riacho, das primaveras que despencavam dos muros altos e chegavam até o chão, das romãs partidas ao meio, das roseiras da minha nona. Dos lábios de Maria Rosa, a flor mais linda ainda em botão.

O Azul do céu das manhãs de maio que doía nas vistas de tanto brilho, dos olhos do meu pai, duas pedras preciosas, da luz da capelinha que nunca se apagava, do vestido de ver Deus que minha irmã usava em dia de missa. Do sapatinho de bebê do Osvaldinho que dormia tranquilo nos braços de minha mãe, como se a vida nunca lhe fizesse mal.

O Amarelo dos bem-te-vis que tomavam banho no chafariz da pracinha, do sol que entrava sorrateiro pela fresta da janela e tingia de dourado o meu quarto, as partículas de poeira dançavam na iluminação. Dos cabelos de Glorinha, minha irmã de criação que Deus levou tão cedo, vítima de febre.

O Branco dos lençóis da don’Ana, lavadeira cantadora e caprichosa que morava perto da linha do trem. Esquentando no quarador, os panos alvos eram repassados na pedra anil e bailavam ao vento. Do avental da professora que tinha seu nome bordado com linha varicor “Margarida Fontes”. Dos dentes do Zé Inocêncio, neto de ex-escravos,menino esperto e generoso. Meu grande amigo de escola e de confissões. Da lua redonda e brilhante que alumiava a escuridão. Das flores da madressilva. Daquela geada fininha cobrindo todo o pasto, que durante a madrugada era densa cerração. Dos fantasmas e assombrações que fugiam das histórias do vovô e vinham me assustar em sonhos.

O Preto das noites sem lua, serenas, da cor do carvão.

Do meu cavalinho Corisco feito do cabo do enxadão.

Do manto de Nossa Senhora cravejado de oração.

Saudade tem cor de lágrima que brota do coração.

Caro leitor. Este texto faz parte do Exercício Criativo - A Cor da Saudade

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Mariacris
Enviado por Mariacris em 13/05/2013
Reeditado em 07/02/2014
Código do texto: T4288088
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