Recordação suave e melancólica de pessoa ausente, local ou coisa distante, que se deseja voltar a ver ou possuir.”
É esse o significado de saudade encontrado em dicionários. Minhas lembranças têm cor e matizam em variados tons, passagens de minha vida. Em cada uma delas, sinto os sabores, perfumes e cores de minha infância.
 
Minhas manhãs de junho eram geladas. Acordava cedinho e o café puro não ajudava a saia pregueada azul marinho e blusa branca do uniforme, a esquentar a friagem que atravessava o casaquinho de flanela xadrez. Não tinha sapatos fechados, meus pés congelavam dentro dos chinelos. Aos nove anos sonhava ir para escola aquecida por um poncho, de preferência vermelho com pompons na ponta, Algumas colegas usavam uns lindos.
                   
No Grupo Escolar General Carneiro havia os alunos, filhos de pais mais abonados. Levavam na merendeira: pães de queijo, bolos, sanduíche de pão com salame, lanches Mirabel... Tinha também os alunos pobres da ”caixa”. Esses, na sua grande maioria moravam na parte da cidade denominada Alto do Papagaio, alguns até em casinhas de capim. Ganhavam cadernos, lápis e podiam merendar sopa de legumes colorida, mingau de fubá fumegante, canjiquinha com cheiro verde. Eu vivia num mato sem cachorro, não era da caixa e nem levava merenda de casa.      


Na cantina também era vendido um pudim de dar água na boca, só de olhar e eu só olhava. Até o dia em que a cantineira me chamou na cozinha, cortou um pedaço. Expliquei que não podia pagar. Dona Nabir sorriu com jeito bondoso e me deu o doce. Ficou para sempre gravado em minha memória, o gesto, o sabor e a cor daquele pudim.

Outra saudade colorida que tenho, aconteceu quando uma colega que sentava ao meu lado na sala, tirou da merendeira uma fruta nunca vista antes, era de uma cor vermelho brilhante e vinha envolta num papel de seda roxo e cheiroso. Eu só conhecia laranja, banana, manga, goiaba...Aquela era novidade.  Não resisti e ousei pedir um pedaço. A menina se recusou a dividir comigo.
                    
A partir daquele dia eu sonhava com maçãs.  Queria ser rica para merendar maçã todo dia. Meses se passaram e não havia jeito de experimentar a tal fruta. Certo dia amanheci doente e não pude ir à escola. Veio o farmacêutico para ver o que eu tinha, pois, na cidade não havia médico. Fiquei de repouso. Tinha Caxumba e sentia
dor muscular e ao engolir, febre, mal-estar. Todos se preocuparam com minha falta de apetite.

Sempre foi assim, quando um dos filhos estava doente meus pais se desdobravam para que todas as vontades fossem satisfeitas. Não tive dúvidas, dessa vez não pedi goiabada com queijo, nem iogurte ou waffers. Eu pedi uma maçã embrulhada num papel roxo. Mandaram vir a fruta lá da cidade de Piumhi. Em São Roque, raramente se via maçãs nas vendas.

Lembro-me dos meu irmãos ansiosos. Custei a me levantar da cama. Mamãe colocou o embrulho na minha mão. Era macio, geladinho, gostoso.  Abri cuidadosamente, com medo de quebrar o encanto ou acordar de um sonho... Senti o perfume e ante a expectativa de toda a minha família, dei a primeira mordida. Soltei um gemido. Não consegui engolir. Pedi que dividissem a maçã com meus irmãos. Ainda lembro-me do brilho no olhar deles. Para mim reservei apenas o papel roxo perfumado, que guardei debaixo do travesseiro para simplesmente me satisfazer com o aroma e sonhar.


Texto escrito para o Exercício Criativo. Tema de hoje: "A cor da saudade" 
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A SAUDADE TEM AROMA
COMO TEM SABOR E COR
NOSTALGIA TEM SINTOMA
DE QUEM TEVE UM GRANDE AMOR.

Grata ao amigo Jajá de Guaraciaba pela interação.

 
Maria Mineira
Enviado por Maria Mineira em 13/05/2013
Reeditado em 19/05/2013
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